PADRE NEGRI CSsR |
7. Mais um ano
1963 foi o segundo ano do meu diretorado no Pré-SRSA depois de reformado. Começamos o ano com 106 juvenistas, distribuídos em duas turmas e duas classes de aulas. No lugar do Frater José Estrela de Carvalho veio o Ir. Ladislau Bernardino. Ir. Lau, como era chamado, assumiu o ensino de algumas matérias, mas não se deu bem como professor.
Na véspera do dia 19 de março, uma quarta-feira, viera do SRSA o Pe. Francisco Vieira da Costa para atender as confissões dos juvenistas.
Após a assistência de um filme daqueles que o Pe. Hilton Furlani conseguia com freqüência nos consulados dos EE.UU, Canadá, França e Alemanha, em São Paulo, nós, os padres, fomos à copa para tomar um chá. Eu, então, disse aos meus colegas: Quem de vocês quer fazer o passeio, excursão, amanhã com os juvenistas? Estava planejado de ir à Cachoeira do José Pascoal, conhecida pelo povo como Roseta, no
Bairro do Taquaral. O Pe. Hilton Furlani prontamente se ofereceu para prestar este serviço. Voltei para o quarto no térreo, o último antes do cubículo onde hoje guardamos os cobertores. Todos os juvenistas já estavam dormindo. Eram 23 horas. Comecei a escutar alguém tossindo sem parar. Subi para o andar superior. Era o juvenista Sebastião Joaquim de Matos. Perguntei: “O que você tem?” Ele respondeu: “Não sei”. Desço então à cozinha, preparo uma mistura de mel com pinga e limão. Ao beber, ele pergunta: “Vou ao passeio descalço ou de chuteira?” Respeondi: “Vá com chuteira, é mais seguro”.
Esse rapaz, de 18 anos, era de Santa Mercedes-SP. Viera para o Seminário S.Geraldo, onde se formam os candidatos para missionários redentoristas, irmãos leigos da Congregação. Ele manifestou a vontade de ser padre. Veio conversar comigo. Eu lhe disse que ele iria enfrentar sérias dificuldades, pois era adulto e alto. Ia sobressair no meio da turma, mesmo no meio dos médios. Ele disse que gostaria de enfrentar
tudo. Veio, e de fato, foi um bom juvenista. As festas missionárias aconteciam aos sábados, às 20 horas. Numa dessas festinhas, pouco antes do passeio à Cachoeira, ele declamou um soneto intitulado “Círculo vicioso”. Ao terminar o soneto ele acrescentou 4 adeus: Adeus ao seminário, adeus aos colegas, adeus ao Pe. Diretor e adeus à Pedrinha.
Pe. Furlani e os seminaristas saem cedo. Ali, pelas 8:30 hs, estou sentado à mesa no meu quarto, escrevendo à máquina. Alguém bate fortemente à porta. Mando entrar. É o Milton José Modanese. Ele fala nervosa e apressadamente: “O Sebastião de Matos caiu lá na cachoeira. Está muito mal.” Levanto-me imediatamente. Pego a maleta do pronto-socorro. Pego também a maleta dos santos óleos. Vou depressa para a venda do Sr. Vicente Bittencourt. Ele pega o caminhão e juntos rodamos para o Bairro do Taquaral. Atravessamos o ribeirão e seguimos à direita. Vejo os juvenistas que voltam em grupos, cabisbaixos, tristes. Depois de deixar a estrada para os Pilões, não havia mais estrada para o caminhão. Fomos a uma casa. Lá, já havia um burro arreado. Monto e vou à cachoeira. Encontro o Pe. Furlani com alguns seminaristas. O Sebastião Joaquim de Matos já está numa maca improvisada, sem sentidos, com sangue nos ouvidos e no nariz. Dou-lhe a unção dos enfermos. Vou rezando e caminhando junto com eles. Ao chegar ao caminhão, ao depositar o corpo na carroceria, o juvenista morre. É arrasador! Mesmo assim, nós nos apressamos.
Pe.Furlani vai a Aparecida com o Sr. Vicente Bittencourt. Comunica o acidente ao Pe. Brandão e traz um médico. Enquanto isso, com o auxílio do Sr. Georgino Ribeiro, José Guerra e outros, preparamos o corpo dele. Vem o médico ali pelas 12 hs. Dá o atestado de óbito: Fratura do crânio. O corpo é colocado na sala de visitas. Os juvenistas desfilam perante o cadáver, enquanto aguardamos a chagada do caixão. À tarde é levado para o necrotério da Santa Casa de Misericórdia de Aparecida, enquanto os Srs. Lúcio Galvão e José Borges arrumam os documentos necessários
para o transporte do corpo até Santa Mercedes. Tentam até avião na Escola de Especialistas da Aeronáutica, mas não conseguem. A nosso pedido, a Rádio Aparecida avisa sobre o acidente acontecido com o Sebastião. Pede que seus pais e parentes esperem em casa. Resolvemos que era melhor o defunto seminarista ser levado à casa dos pais, porque assim, todos os familiares poderiam vê-lo e participar do seu enterro.
De fato, às 18:40 hs, saímos: Ir. João Bosco no volante, eu e o Sr.José Borges no banco da frente. O corpo do juvenista foi ajeitado na carroceria, tendo ao seu lado, sentado, o Ir. Ladislau Bernardino.Pusemos a capota e fechamos a parte de trás. Vejam o espírito de sacrifício do Ir. Bernardino. Viajamos a noite toda e o dia seguinte (20/03/63) até às 12 hs.Depois de atravessarmos Marília, ia à nossa frente um gipe dirigido por um japonês. Deu sinal de entrada à esquerda. Nosso motorista acelerou. Mas, o japonês desistiu e seguiu em frente. Ir. João Bosco brecou bruscamente e jogou a camioneta para o acostamento à direita.Por pouco o veículo não tomba. Levamos tremendo susto.
Agora me lembro, que quando estávamos na marginal do Tietê, num trecho esburacado, o fundo do caixão de despregou. Paramos numa entrada sem movimento. Com dificuldade o ajeitamos novamente. Antes de entrar para Santa Mercedes, ainda no asfalto, vimos à direita um jovem com uma mala. Pensamos que fosse um parente do Sebastião. Realmente, era um irmão dele. O pai ouvira a comunicação pela Rádio Aparecida. Mas, muito sofrido, achou que devia mandá-lo a Aparecida para ver melhor o que estava acontecendo. Depois de nos apresentarmos, pedimos-lhe que viesse conosco. Levamos o corpo até a igreja para o velório e voltamos a casa da família do falecido. Da melhor maneira possível, procuramos consolar os pais, irmãos e parentes. Fomos todos à Igreja de Santa Mercedes. Celebrei Missa de Corpo Presente. Pedi para não abrir o caixão, devido ao estado do cadáver. Felizmente o caixão tinha um vidro, através do qual se podia ver o rosto do falecido.Logo após a Missa, fizemos o enterro com acompanhamento de umas 100 pessoas. No percurso o pai dizia para a mãe: “Mulher, não chore não. Nós estamos como Maria e São João ao pé da cruz.” Quando nos despedimos dos enlutados já eram quase 15 hs.
Descansamos um pouco na casa paroquial de Tupi Paulista e fomos parar em Araraquara. Na noite seguinte, o defunto não saía da minha mente. Bastava eu fechar os olhos, o cadáver estava ao meu lado. Pe.Brandão me aconselhou: “Converse com ele corajosamente”. Foi o que fiz. Consegui dormir. Descansei. Sua visão desapareceu. Sebastião Joaquim de Matos, reze por nós, por nossos seminaristas e seus familiares. Graças a Deus, apesar de todos os sofrimentos, nisso tudo não houve transtorno maior e mais sério.
De 29 a 30 de março de 63, Pe. Henrique de Barros pregou retiro para os juvenistas. Contou muitas histórias engraçadas. Inclusive testemunhou que resolveu ser padre porque ouviu um tio chamar os padres missionários redentoristas de “urubus”, quando pregavam na praça pública de Juiz de Fora.
Celebramos o primeiro de maio de 63, São José Operário, com muita solenidade, com a participação dos juvenistas e do sindicato dos trabalhadores rurais de Guaratinguetá.
Em junho, construímos e inauguramos a calçada em torno da piscina, sob o comando e participação ativa do Pe. Hilton Furlani. Foram gastos 15 mil tijolos.
Em dezembro de 1963, começamos a construção do galpão. Iniciamos com a construção da lavanderia, o lenheiro para o fogão a lenha, a frutaria, a vassouraria e a ferramentaria.