PADRE RAFAEL VIEIRA
Foram os italianos que deram ao jogador Ronaldo o titulo de “fenômeno”. Eles gostam disso. Amam títulos pomposos, exagerados, curiosos. A imprensa esportiva chamou Falcão de “Rei de Roma” e se refere a Adriano como “Imperador”. No campo da política se refere a Silvio Berlusconi, o novo e controverso primeiro-ministro e proprietário do time do Ronaldo, como “Il Cavaliere”. Diante do escândalo das ultimas semanas, a imprensa voltou a usar títulos diferentes para caracterizar o tipo de “fenômeno” que o “fenômeno” se meteu. Os jornalistas usaram duas expressões. A primeira, ao dizer o que aconteceu, afirmaram que o jogador se encrencou num episódio de “luce rosse”, isto é, um evento que lembra a prostituição em sua versão bem antiga, quase ingênua. A segunda é dura e direta, quase maldosa. Escreveram que o astro do Milan tornou-se protagonista de um caso no qual dividia a cama com pessoas denominadas na forma que os romanos se referem a todos os travestis que perambulam pelos locais de prostituições da cidade, independente da nacionalidade dos rapazes: “viados”.
Se houver algum tipo de destaque para qualquer notícia na qual esteja presente algum travesti, os jornais de Roma usam o termo pejorativo em português e no plural, mesmo quando tratam de apenas um individuo. Em outras cidades italianas, a história se repete e quando a imprensa descreve um caso no Brasil, claro, não usa outra linguagem. O jornal Eurosport resumiu a história do “fenômeno”, a aventura noturna do Ronaldinho com travestis no Rio de Janeiro, num tom que confirma a mania de tratar esses assuntos com enorme preconceito: “Procura companhia, carrega incautamente três ´viados´ para um motel, tenta se distanciar deles, é ameaçado de extorsão e acusado de uso de droga. O Rio de Janeiro está sob choque”. Tudo demasiado, desproporcional, partidário em benefício do ídolo do futebol e em detrimento da identidade dos outros personagens e da própria cidade onde Ronaldinho se encontra em recuperação de uma lesão que sofreu no joelho esquerdo.
A maneira italiana de caracterizar os travestis em geral e os brasileiros em particular remete ao modo grosseiro como se faz alusão aos homossexuais no Brasil e até mesmo em brincadeiras inocentes em círculos de heterossexuais falastrões. Na verdade, a expressão dos italianos desconhece a correção ortográfica do nosso idioma. O animal saltitante é veado. É, curiosamente, na Itália não fazem esta associação entre o animal veado e o homossexual. Eles usam a palavra, mas não se interessam pela origem do seu uso. Parece que só por aqui ligam a figura do cervídio para designar um homem que gosta de outro homem. Um fenômeno curioso.
Compensa lembrar outro fenômeno à guisa de conclusão. Dad Squarisi, genial professora que ensina português no jornal Correio Brasiliense relatou, em sua coluna, um episódio que envolveu a ministra do Turismo, Marta Suplicy, no tempo em que era prefeita de São Paulo. Num evento em homenagem ao Dia do Advogado, um estudante soltou uma galinha preta no palco. O ministro da Justiça de então quis defender a prefeita e saiu com essa “galinha é ofensa. Seria como se um homem estivesse falando e jogassem um veado nele”. Squarisi concluiu: “Símbolo é uma mágica. Por analogia, um objeto representa outro. A balança representa a justiça. A cruz, o cristianismo. A bandeira, a pátria. E a galinha? A penosa deita e rola. Para o estudante, queria dizer macumba. ´Só galinha preta para acabar com a prefeita´, explicou ele. Para o ministro, mulher superinfiel. De quebra, o infeliz recorreu a outro símbolo pejorativo - o veado. Agrediu os homossexuais. Moral da história: não é por acaso que nascemos com dois ouvidos, dois olhos e uma boca. É para ouvir mais, ver mais e falar menos”.
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