O internato
Quando ainda criança, doze anos, meu pai me levou para o internato dos Padres Redentoristas em Congonhas, MG, dirigido por padres holandeses - o Diretor e alguns professores.
Costumes hoje inconcebíveis:
Calções e camisetas usados obrigatoriamente para tomar banho normal de chuveiro - abolidos um ou dois anos antes de eu entrar. Nadávamos de calção longo, abaixo dos joelhos, e camiseta. Camiseta abolida meses depois e o calção chegou ao tamanho normal, para a época, um ou dois anos após minha chegada, com a tomada das rédeas da direção por padres brasileiros - entre eles o Padre Alberto Ferreira Lima que modernizou quase tudo. Natação é coisa pouco comum em Congonhas por causa do clima, talvez três a cinco meses durante o ano, apesar de hoje haver grande parque público, da Prefeitura, perto da cidade, mas que fecha aos domingos e feriados - com uma vistosa e bela cachoeira e mais de vinte piscinas.
Quando cheguei, banho obrigatório aos sábados. Jogávamos futebol, em campo de terra e muita poeira, todas as terças e quintas - o banho não exigido para quem jogasse, mas os padres brasileiros começaram a obrigar os participantes. Calculem a quantidade de chulé de cada jovem em idade propícia - a meia de algodão usada durante uma semana endurecia nos pés - a de nylon ainda inexistia - e como a de algodão caía sobre o sapato, usava-se a liga para segurá-la. No dormitório, quase duzentas camas uma ao lado da outra, e os alunos tirando sapatos e meias ao mesmo tempo. Trocávamos de roupa aos sábados. Os suspensórios faziam parte do enxoval.
Holandês não toma banho - talvez uns três a cinco por ano. Na França, o governo incentiva o uso de chuveiro, pois muitas casas e prédios não têm - é por isso que o francês inventou tanto perfume. Minha irmã Celma especializou-se em hematologia na Bélgica, onde ficou conhecida na grande Universidade Livre de Bruxelas, por ser a moça que toma banho. Uma senhora, doméstica na casa de um padre holandês, contou-me que, apesar de o padre tomar banho de três em três meses, a roupa não fedia mais que a nossa - trocava normalmente como nós - mas, parece-me, transpirava menos.
Éramos divididos em três turmas: menores, os do preliminar e primeira série; os médios, das segunda e terceira séries, e dos maiores, das quarta, quinta e sexta séries. Só se podia falar, brincar ou andar junto com colega de turma - tudo separado para cada turma, tanto nos recreios como nos esportes. Nunca se podia conversar com apenas um colega - era a proibida amizade particular - andar sempre com dois ou mais.
A comida
Havia muita coisa boa também.
Comida farta e ótima. Tudo servido no prato tinha que ser comido – nada podia sobrar – e havia um mínimo a ser servido. No jantar uma sopa antes do prato principal e todos tinham que comer pelo menos um pouco de sopa. Havia um menino de Acesita que detestava sopa – ficava ele no refeitório depois de todos acabarem de comer até terminar o recreio, para forçá-lo a comer a bendita sopa. Eu sempre gostei de sopa. Esse menino acabou saindo do seminário por causa da sopa. Foi o único senão que achei no seminário – eu, menino, achava uma covardia o que se fazia com ele – mas era julgamento de menino; os Padres tinham suas razões e a mim não me cabia discuti-las. Conversei com pessoas que estudaram em internatos, em nenhum deles havia tanta fartura e conforto. Fabricavam cerveja, distribuída para nós nos dias de festas - achava um gosto horrível. Fora do internato, permitia-se fumar. Na época - não sei se hoje ainda é assim - na Holanda havia uma festa familiar para os rapazes que completavam quinze anos, debutavam, quando recebiam permissão e começavam a fumar e a beber cerveja - presentes de variados tipos de cigarros, charutos e cervejas - até mesmo no seminário. Parece-me que, para as moças, não havia festa de quinze anos.
Na minha terra, Fabriciano, conhecia tomate do grande e o tomate do mato - tomatinho. Em Congonhas, conheci o tomate comum. Após as refeições, servia-se uma sobremesa - podia ser um pouco de doce ou uma fruta. Um dia serviram uma fruta de aparência igual ao recém descoberto tomate - não comi, estranhando dar tomate como sobremesa. Depois me explicaram ser caqui - também desconhecido por mim. Fabriciano faz muito calor e não se planta caqui - não pega. Ainda não havia o Ceasa, que distribui alimento para todo o Estado.
Acordávamos bem cedo, íamos à missa, quinze minutos de ginástica e depois o farto café. Pelas 9.30h e 14.30 serviam uma fruta. Antes da oração da noite, biscoitos ou o Koock, um delicioso pão de mel holandês.
O estudo
Nada nos faltava, mesmo para os menos dotados de bens - realmente iguais... mas não havia preto, negro mesmo, estudando lá.
Professores, uma plêiade de padres, dando o máximo de si. No início o Diretor era o holandês Padre Gregório, substituído pelo Padre Marcos Gabiroba, vindo a seguir o Padre Alberto Ferreira Lima. Os professores padres Barbosa, Neves, Geraldo Lima, Borges, Marcio, Marques, Leite, Penido, o futuro Bispo Dom Lelis Lara e os holandeses Walter, Henrique e Inácio e o polivalente Padre Anselmo.
Estudávamos nove horas às segundas, quartas e sextas; seis às terças, quintas e sábados; quatro aos domingos.
Aulas de latim diariamente, com professores diferentes para cada turma - o professor de latim era o patrono da turma. Oito horas de latim por semana. Quando quisesse ou precisasse de algo para a turma, recorria-se ao patrono, que se interessava em conseguir.
Para cada aula, meia hora de preparação e igual tempo para o exercício sobre ela - uma hora para o latim, inclusive aos domingos. Meia hora de estudo livre, diariamente, quando líamos ou recuperávamos alguma matéria na qual se ia mal. Aos domingos, uma hora de estudo livre acompanhado de música clássica, aliás, só escutávamos música clássica. Quando entrei, nos dois primeiros anos, usava-se a vitrola de agulha! Depois apareceu a radiola com som estereofônico - uma coisa doutro mundo!
Assistíamos missa diariamente - duas aos domingos, uma delas cantada. Durante um bom período fui sacristão. Todos nós tínhamos algumas profissões, conforme seus dotes. Sempre fui desenhista e, durante algum tempo, organista e até regente do coro e da bandinha, além de trabalhar no museu, pegando e embalsamando animais. Antes do almoço aos domingos, cantávamos os salmos – uma música de uma nota só. No harmônio eu acompanhava os colegas cantando. De quando em vez eu subia meio tom e a turma gostava, pois quanto mais alto o tom, mais rápido se cantava e mais rápido aquela inacabável oração terminava – quando isso acontecia dos meios tons subirem mais vezes, o Diretor, de seu quarto, escutava aquela barulheira e vinha correndo para me chamar a atenção!
E por falar em aprender, uma vez, num sermão, o Padre Marcos, diretor, falou que a Igreja Católica é formada por uma plêiade de pessoas doutas e sábias. Achei linda a palavra plêiade! No mesmo sermão usou paulatinamente - maravilhei-me com as duas palavras! - tinha uns treze anos.
Durante as horas de estudo, alguns tinham aula de piano, harmônio ou violino, normalmente uma vez por semana e duas vezes de prática nesses instrumentos - tempo compensado no estudo livre. Aprendi harmônio - um pequeno órgão. Os instrumentos da banda eram aprendidos e treinados durante os recreios, por causa do barulho - os ensaios da banda também nos recreios. Tocava saxofone em mi bemol, mas gostava de experimentar os outros instrumentos também.
Tínhamos um coral maravilhoso - cantávamos a quatro vozes e mais um coral especial, o de Canto Gregoriano - Schola Cantorum - pertencia aos dois.
Praticávamos muito os esportes: vôlei, basquete e futebol - havia vários campos. Participava de todos eles. Gabo-me pouco do aprendido até aqui, mas... era muito bom no futebol... fui até convidado para jogar no super time do Vasco da Gama do Rio - convite feito pelo técnico Gentil Cardoso - quando saí do internato.
Festas comemoradas com apresentações de poesias, de piano, a duas e a quatro mãos, e violino ou de um dos coros, discursos sobre o assunto - além de peças teatrais. Nunca falei em público.
Passeios
Muitos passeios às serras que circundam Congonhas - Casa de Pedra, Serra da Moeda, Morro dos Elefantes e Pico do Itabirito - todos de minério de ferro. Nas férias, na Casa de Campo, subíamos a Serra de Ouro Branco ou íamos às grutas atrás da serra (Grutas do Rodeio) - tão lindas como as da Lapinha ou Maquiné. Hoje o povo não pode visitá-las... Estão em mãos de firmas mineradoras - acabarão dinamitadas e desmanchadas para uso na agricultura ou indústria.
Em certas épocas do ano íamos chupar laranja ou jabuticaba nas fazendas do Sr Juventino ou na do Sr. João Batista. Apanhávamos as frutas nos pés e depois íamos nos regalar com um lauto café com leite acompanhado de broas e biscoitos típicos da roça - que fartura!
Normalmente passeios a pé e, quando longe, íamos de caminhão até onde havia estrada - estrada de terra.
Três férias ao ano. Quinze dias em maio, vinte em setembro e a última iniciando depois do dia vinte de dezembro ao final de janeiro, passadas na Casa de Campo aos pés da Serra de Ouro Branco. Em casa dos pais nunca íamos - fiquei oito anos sem ver a maioria dos irmãos.
Durante as refeições, um aluno lia, em voz alta, livros de vidas dos santos ou algum outro de interesse geral. Muitas vezes a leitura era rápida e podíamos conversar um pouco. Depois da terceira série, às quintas-feiras, não se falava português - praticávamos o latim, inglês, francês ou até mesmo o grego - também brincávamos com as línguas do "P" e do "F".
Estudei durante oito anos em Congonhas.
Como o mundo mudou nos últimos cinquenta anos!... Foi para melhor?...
Benedito Franco
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