38ª Ficha: A Conferência Episcopal de Medellín (II)
Nesta
38ª Ficha são apresentadas as duas últimas partes do Documento de
Medellín: ‘Evangelização e crescimento na fé’ e ‘A Igreja visível e suas
estruturas’. Ambas apresentam uma proposta para renovação da Igreja
Latino-Americana segundo os Documentos do Concílio Vaticano II,
principalmente no que diz respeito à organização pastoral para uma
efetiva ação, especialmente junto aos pobres.
Na segunda parte, Evangelização e Crescimento da Fé, o primeiro tópico aborda a atenção que a Igreja deve dispensar à “Pastoral Popular”,
isto é, à religiosidade tradicional [1], uma das principais
características da identidade eclesial Latino-Americana. Reconhecendo
seu histórico valor, o Documento expressa a necessária atualização e
recondução cristológica que o Vaticano II sugeriu com o objetivo de
superar a religiosidade ‘mágica’ e vertical entre o fiel e Deus, e
promover uma fé adulta, através da participação nos Sacramentos e na
vivência comunitária. Para isto, os bispos solicitavam o empenho de
todos na renovação das estruturas pastorais, com atenção especial à
Pastoral Popular. O segundo tópico, “Pastoral das Elites”, foi
uma espécie de contraponto da “Pastoral Popular”, pois afirma que a
atenção com a religiosidade popular não deveria ignorar e/ou
marginalizar pessoas com maior grau de formação intelectual, as quais,
além de poderem contribuir socialmente, também são destinatárias da
Missão. O terceiro tópico, “Catequese”, apresenta a proposta de
renovação solicitada pelo Vaticano II: a centralidade do mistério do
Cristo, da Sagrada Escritura e dos Sacramentos na vida da Igreja e a
importância da participação dos fiéis na comunidade eclesial. O
Documento destaca que o anúncio da mensagem do Evangelho deve ter um
caráter dinâmico e evolutivo e que, neste sentido, é imprescindível que a
realidade socioeconômica e política do povo e as exigências do
pluralismo religioso sejam consideradas. Além das orientações comuns a
todo organismo pastoral, os bispos apontam para a importância das
pequenas comunidades eclesiais. Pela primeira vez aparece a sugestão das
CEB’s como espaço que congrega pessoas com um universo cultural mais
homogêneo e que muito pode contribuir para a formação eclesial. O quarto
tópico aborda a ‘Liturgia’, pois segundo a Constituição SC a
renovação litúrgica expressaria a fé do povo a partir da sua realidade e
sua cultura. O Documento destaca a centralidade do mistério de Cristo
na Liturgia e a celebração dos Sacramentos, especialmente a Eucaristia.
Medellín ainda retomou a importância da devoção popular, o incentivo da
liturgia em pequenos grupos e comunidades, com destaque para a
celebração comunitária da Penitência, as Sagradas Celebrações da Palavra
e a criação da Pastoral Sacramental em todas as comunidades e/ou
paróquias segundo as orientações da Constituição DV.
Estas orientações catequéticas e litúrgicas muito contribuíram para o
reavivamento da fé nas comunidades e paróquias. Especialmente, no que
diz respeito à Palavra de Deus, esta deixou de ser vista como um livro
hermético, conhecido apenas pelo clero, e passou às mãos do povo através
dos círculos bíblicos que fazem a Leitura Orante da Bíblia.
Na terceira e última parte: ‘A Igreja Visível e suas estruturas’, os três primeiros tópicos estão vinculados aos temas dos ministérios e das diferentes vocações dentro da perspectiva de uma Igreja toda ministerial e servidora dos pobres, segundo a Constituição LG. O tópico “Movimentos leigos”retoma o capítulo IV da LG e o Decreto AA,
destacando a ação dos leigos, pois eles são efetivamente uma presença
eclesial de serviço à vida e à promoção humana no mundo. Os movimentos
de apostolado dos leigos se intensificaram em todas as Dioceses e, em
1988, com a exortação Cristifidelis Laici
tornaram-se mais sólidos ainda. Atualmente, a atuação dos leigos e
leigas faz da Igreja Latino-Americana uma das mais atuantes do mundo. O
tópico ‘Sacerdotes’ retoma a Constituição LG e o Decreto PO,
que trata do ministério daqueles que se associam ao Sacerdócio de
Cristo e agem “in persona Christi”. O Documento lembra que as mudanças
do mundo afetam todos os que estão envolvidos na Evangelização,
inclusive, os presbíteros, na forma de exercer o seu ministério e viver
sua vida, os quais devem se esforçar para ser a presença do Cristo
neste mundo, solidarizando-se com os pobres através do serviço da
capitalidade, enquanto ministros da unidade, especialmente na condução
pastoral do povo. No âmbito social, Medellín ressalta que os padres
devem se empenhar na promoção do progresso humano, formando e
incentivando os ministérios leigos para uma real presença na sociedade. O
tópico “Religiosos” retoma o capitulo VI da Constituição LG e
explicita como vê e o que espera da presença dos religiosos e
religiosas, e dos leigos ligados às famílias religiosas na América
Latina, principalmente no engajamento na pastoral orgânica das
comunidades cristãs e no testemunho na sociedade.
Por fim, a terceira parte ainda apresenta quatro destaques. O primeiro, “Formação do Clero”, retomando o Decreto OT,
diz respeito ao papel dos futuros ministros ordenados na renovação
eclesial na América Latina e insiste que a Igreja precisa de presbíteros
que dialoguem com o mundo a partir de sua realidade. O segundo
apresenta a exigência da “Pobreza da Igreja” como característica
central daquilo que identifica o nascimento da Igreja Latino-Americana,
como foi sinalizado na Ficha anterior. Medellín quis deixar uma profunda
reflexão sobre a necessidade da Igreja ser Pobre; que sua ação pastoral
seja para os pobres; e que os bispos não fiquem indiferentes diante das
injustiças sociais existentes na América Latina. De forma profética, o
Documento aponta a contradição entre a forma de viver dos membros da
hierarquia católica, quase sempre com segurança, e a pobreza do povo.
Diante disso, os bispos pregam a pobreza espiritual como atitude de quem
tudo espera do Senhor, e a pobreza material como compromisso assumido
voluntariamente e por amor à condição dos necessitados deste mundo. Com
estas atitudes, a Igreja denunciaria “a carência injusta dos bens deste
mundo e o pecado que a engendra”. Os bispos, ainda, destacaram a
importância da Doutrina Social da Igreja, que tem a missão de colaborar
na transformação da realidade ‘angustiosa de milhões de pobres na
América Latina’. O terceiro destaque recai sobre a necessária “Colegialidade’, ou ‘Pastoral de Conjunto’
que o Concílio Vaticano II tanto insistiu na LG. As principais
justificativas são os princípios de comunhão entre os batizados e a
catolicidade, como eixo de unidade de todas as comunidades (LG13),
apresentados como: a valorização e a implantação das ‘comunidades
eclesiais de base’ para a promoção e a edificação do Corpo de Cristo,
“sinal da presença de Deus no mundo” (AG 15); a promoção da formação
adequada dos que se colocam no serviço da missão; a revitalização das
estruturas pastorais, para que as paróquias sejam ‘um conjunto pastoral
vivificador e unificador das comunidades de base’, que a Conferência de
Santo Domingo chamará de ‘redes de comunidades’ (AA10). Que nas dioceses
seja organizada a Pastoral de Conjunto; que haja o Conselho Presbiteral
e um Conselho Pastoral, e que esta estrutura exista em níveis regionais
e nacionais para o fortalecimento das Conferências Episcopais e que,
por sua vez, demonstrem o trabalho pastoral de conjunto com planos
pastorais que correspondam sempre à realidade humana e
às necessidades religiosas do Povo de Deus. O último destaque, fica para
os “Meios de Comunicação Social”, que retoma o Decreto IM
e a sua importância na Evangelização, apelando para que todos os
organismos eclesiais se empenhem com coragem na utilização deles,
lembrando que esses meios são essenciais para sensibilizar a opinião
pública no indispensável processo de transformação da América Latina.
Ao concluir a reflexão sobre Medellín, é
necessário afirmar que o Documento ainda é desconhecido pela maioria
dos católicos. Ele é paradigmático, pois assume integralmente o Vaticano
II e tenta traduzi-lo para a Igreja Latino-Americana. Se, na primeira
parte, colocou os pressupostos para a promoção humana que deveriam ser
assumidos por qualquer ‘pessoa de boa vontade’ presente no mundo, nas
duas últimas partes, o Documento apresenta as exigências evangelizadoras
para a comunidade eclesial contribuir na formação de uma nova
sociedade. Estas exigências estão ligadas ao evangélico apelo para que a
Igreja seja pobre, tal qual desejou seu fundador, pois somente assim
ela conseguiria cumprir o seu mandato de anunciar a Boa Nova do Reino.
Passados 45 anos, Medellín continua
tendo a sua importância como aquela que lançou diretrizes para a
organização pastoral da Igreja no Continente e que colocou o desafio
desta Igreja ser pobre junto aos pobres. Todas as subsequentes
Conferências Episcopais a seguiram, mas nenhuma delas a superou!
Portanto, se faz urgente redescobrir a beleza e o valor deste importante
documento do genuíno magistério, que em muitos pontos ainda orienta
para um ideal da Igreja Latino Americana.
Nota
[1] A religiosidade popular tem suas
raízes mais longínquas no período colonial, quando o povo, sem o devido e
necessário atendimento religioso, acabou construindo uma expressão
católica singular. De um lado, mantinha o vínculo da fé através da
transmissão oral dos poucos ensinamentos recebidos; de outro, justamente
por não ter acesso ao atendimento pastoral, não ‘se educou’ para
receber os Sacramentos e se vincular com a doutrina católica. Pe Luiz
Roberto Benedetti identifica esta religiosidade com as seguintes
características: ‘muito santo, muita reza e pouco padre’ (Os Santos
Nômades, e o Deus Estabelecido” Ed. Paulinas, 1994). A importância desta
religiosidade reside no fato de que, na maioria dos países, ela foi o
único vínculo com o catolicismo. Na primeira metade do século XX,
através do movimento da romanização, a Igreja intensificou a sua ação,
por meio da presença de um maior número de padres e religiosos, com o
objetivo de corrigir aquilo que a Igreja entendia como erros
doutrinários da religiosidade popular. Já, o enfoque pastoral do
Concílio Vaticano II, assumido por Medellín, sem esquecer a centralidade
Cristológica, teve um outro olhar para a religiosidade popular.
Referências Eletrônicas
Beozzo, José Oscar, Medellín: inspiração e raízes
Boff, Clodovis, A Originalidade Histórica de Medellín
Comblin, Joseph, Conferência Episcopal de Medellín: 40 anos depois
Raschietti, Estevão,Medellín 40 anos
CELAM,Documento de Medellín
Para refletir:
1) Quais as principais características da Igreja Latino-Americana e qual a herança deixada por Medellín?
2) Você concorda que Medellín propôs mudanças no modo de se viver a fé? Por quê?

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