Ficha 15 – A Inspiração Divina e a Interpretação da Sagrada Escritura (3ª DV)
Constituição Dogmática DEI VERBUM
Sobre a Revelação Divina
Esta décima quinta ficha, terceira da
Dei Verbum, aborda o capítulo III que se refere à natureza da Sagrada
Escritura e à graça concedida por Deus à humanidade, dotando-a de
capacidades para interpretá-la e compreendê-la segundo sua própria
linguagem. Este capítulo deve ser estudado no contexto do Concílio
Vaticano II, que valorizou a condição humana e os dons que Deus concedeu
ao homem para transformar o mundo. Depois de haver colocado com
clareza, no segundo capítulo, que o magistério tem a função de zelar
pela ‘correta’ interpretação da Sagrada Escritura, este terceiro
capítulo enaltece as ciências bíblicas e, especialmente, os exegetas e
intérpretes, que são colaboradores e partícipes do magistério da Igreja
que, com seus trabalhos, lançam luzes e muito colaboram para que a
Sagrada Escritura seja mais compreendida e amada, assim como ensinou
Santo Agostinho: ‘só se ama aquilo que se conhece’ [1]. Numa expressão,
podemos dizer que Deus, a comunicação por excelência, quis sabiamente,
não só Se Revelar, mas dar condições para que o homem O compreendesse.
Este capítulo está dividido em três partes: ‘A inspiração e a verdade
contida na Sagrada Escritura’; ‘A sua interpretação’; e ‘A
condescendência de Deus’.
A Igreja acredita que a Sagrada
Escritura contém e é a Revelação de Deus e, justamente por isso, é a
Palavra do próprio Deus. Ela é a verdade de Deus querida e manifestada, é
a Sua Sagrada Vontade que, através da inspiração, foi codificada para a
linguagem humana pelos autores sagrados. A inspiração deve ser
entendida como dom da iluminação concedida pelo Espírito Santo ao autor
humano para que ele pudesse, com os dados de sua cultura, transmitir uma
mensagem fiel ao pensamento de Deus. O Concílio reconhece que Deus agiu
diretamente nas faculdades e capacidades daqueles homens escolhidos
para que pusessem por escrito, como verdadeiros autores, ‘tudo aquilo’ e
‘só aquilo’ que Ele quisesse, tornando a Sagrada Escritura ensinamentos
certos, fiéis e sem erros sobre a verdade relativa à salvação da
humanidade (DV11). Pedro escreveu: “… sabei isto: nenhuma profecia
da Escritura jamais veio por vontade humana, mas os homens impelidos
pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus” (2 Pe 1,19-21).
Portanto, a Bíblia é um livro divino-humano que transmite o pensamento
de Deus em linguagem humana, ou seja, a Palavra de Deus se revestiu da
palavra do homem (judeu e/ou grego, com todas as suas particularidades
de expressão), e assemelha-se ao mistério da Encarnação, onde Deus se
revestiu de humanidade.
Os padres conciliares acentuam que a
diferença de tempo e espaço que existe entre os escritos do Texto
Sagrado e a leitura dos mesmos, no tempo hodierno, deve ser minimizada
pelos exegetas e seus auxiliares que buscam meios para tornar a Sagrada
Escritura compreensível à interpretação dos homens, sedentos de conhecer
as verdades de Deus. Como Deus, na Sagrada Escritura, falou por meio de
homens e à maneira humana, o exegeta, para saber o que Deus quis
comunicar, deve investigar com atenção o que os escritores sagrados
quiseram explicitar daquilo que Deus desejou manifestar por meio deles,
pois a Palavra do próprio Deus não deve ser entendida no sentido literal
do texto. É preciso ter em conta a mentalidade, a intenção e os modos
peculiares de sentir, dizer ou narrar que eram empregados nos tempos em
que foram escritos, e também, os diferentes gêneros literários
(históricos, proféticos, poéticos, apocalípticos e epistolares entre
outros) para buscar o sentido que eles pretenderam exprimir. Para
alcançar este sentido é preciso transcender a tradução exata do texto na
forma intelectual, dentro de um processo de vida e de compreensão que
se deixa guiar ‘segundo o Espírito’, ou seja, em toda interpretação do
Texto Sagrado deve-se ter presente a unidade da Sagrada Escritura e a
sua ligação com Jesus Cristo, o centro da fé. Assim, um texto do AT só
tem sentido para a fé se for lido à luz do evento salvífico da
ressurreição, o que a DV chamou de “analogia da fé”. A leitura e a
interpretação devem ser feitas com a ajuda do mesmo Espírito que levou à
sua redação, cabendo, pois, aos exegetas procurar entender e expor mais
profundamente o seu sentido num trabalho, como que preparatório, que
amadureça o julgamento da Igreja, pois todas essas coisas estão sujeitas
ao juízo da Igreja, que exerce o divino mandato e o ministério de
guardar e interpretar a Palavra de Deus (DV12).
O Concilio de Trento, com fundamento na
Tradição Apostólica, estabeleceu definitivamente o Cânon Bíblico,
conjunto de 73 livros considerados inspirados por Deus que compõem a
Bíblia Católica, sendo 46 do AT e 27 do NT [2]. Outros escritos não
foram incluídos por serem considerados apócrifos, ou seja, não
inspirados. Por outro lado, as Igrejas nascidas da Reforma Protestante
não reconhecem sete destes livros, além de algumas citações, todos do
Antigo Testamento, porque acreditam não terem sido inspirados por Deus
e, também, por terem sido escritos em língua grega e não hebraica ou
aramaica. Os livros são: Tobias, Judite, I e II Macabeus, Baruc,
Sabedoria e Eclesiástico; e as citações são: Daniel 3,24-90, 13-1.4 e
Ester 10,4-16,24.
O Concílio Vaticano II recorre ao termo ’Condescendência de Deus’,
de São João Crisóstomo, doutor da Igreja, a fim de expressar o cuidado
de Deus para que os homens tivessem acesso à Revelação. O magistério
eclesial ensina que, sem precisar, Deus quis valer-se da natureza humana
para que ela conhecesse os seus desígnios. Esta condescendência de Deus
realizou-se, de modo insuperável, na encarnação do Verbo, a Palavra
eterna que se exprime na criação e se comunica na história da salvação,
não como um discurso, conceitos ou regras, mas na própria pessoa de
Jesus. A sua história, única e singular, é a Palavra definitiva que Deus
diz à humanidade (DV13).
Graças, pois ao trabalho de milhares de
homens e mulheres exegetas, toda a humanidade pôde ter acesso à Sagrada
Escritura, acesso este que foi enormemente facilitado com a abertura da
Igreja, manifestada na Dei Verbum, possibilitando o povo ter a Bíblia
para estudá-la em comunidade ou individualmente, de modo especial,
também, através da Lectio Divina ou Leitura Orante. Os exegetas
colaboraram, e colaboram até hoje, para que o povo tenha às mãos um
texto agradável de ser lido na medida em que, com seus estudos e
questionamentos, impulsionam a Igreja à frente para caminhar junto ao
seu povo, tornando a Palavra de Deus sempre viva e atual, como
verdadeira água viva que jorra através dos tempos.
Por fim, não se pode deixar de observar
que o maior ensinamento da Dei Verbum é que qualquer texto bíblico não
deve ser lido como ação de Deus no passado, mas a partir do evento Jesus
Cristo, a Revelação por excelência, Aquele que manifesta a face de
Deus ao mundo.
[1] Santo Agostinho, A Trindade – Livro X, capítulos 1 e 2, págs. 308/315 – Paulus, 1995, São Paulo
[2] Catecismo da Igreja Católica 120
Para refletir:
- Depois de ter meditado sobre as informações desta ficha, podemos afirmar que a Bíblia verdadeiramente é a Palavra de Deus? E por quê?
- Para você é importante estudar o Texto Sagrado e qual lhe parece ser a forma ou formas corretas de estudar a Bíblia?
- Diante das afirmações da Dei Verbum, você acha importante o estudo do Primeiro ou Antigo Testamento?
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