Esta semana, uma das paredes da catedral de Boa Vista, em Roraima, amanheceu pichada com a frase: “abaixo a Igreja”. A razão do protesto está na posição favorável de organismos católicos frente à permanência da problemática demarcação da reserva indígena Raposa do Sol. Ao ler essa informação lembrei-me de um grande missionário redentorista da Província de São Paulo falecido recentemente. Pe. Antonio Braz de Figueiredo, sempre muito divertido, dizia que uma pessoa se comportava como o peixe de nome pirarara quando não contribuía para o avanço do debate. Pirarara é um peixe comum no rio Araguaia, no Tocatins e no Amazonas. Chega a pesar mais de 60kg e tem uma cor cinzenta e avermelhada. A questão da reserva Raposa do Sol é, claramente, muito delicada. O posicionamento dos defensores dos indígenas carece de simpatia de muita gente. E esse tipo de protesto rude é radical, ultrapassado e quase estúpido. A pirarara depois de morder a isca começa a enrolar a linha nas raízes que encontra no rio deixando o pescador sem condições de proceder a sua captura. A metáfora é boa. A história da demarcação da reserva Raposa do Sol poderia ser resumida em poucas palavras. Há 10 anos, um território enorme que toma conta de boa parte do estado de Roraima foi demarcado para a reserva. O decreto de homologação foi assinado há 3 anos. Em todo esse tempo, tem ocorrido muita confusão. O governo de Roraima e os militares não aprovaram a decisão federal. Na área de 1,6 milhão de hectares vivem cerca de 18 mil indígenas, estão localizadas mais de 300 fazendas e se toca na zona de fronteira do país. No cenário atual, apesar das declarações inflamadas de membros do comando do Exército e de autoridades do Executivo do estado, são os índios e os produtores de arroz que protagonizam o clima de guerra. Apenas um argumento poderia ser suficiente para se imaginar para qual lado pende a razão da permanência naquelas terras: os índios a ocupam de tempos ancestrais e os arrozeiros chegaram lá em 1994 aproveitando-se da oferta do governo de isenção de impostos e buscando dar legitimidade ao seu negócio com ações na justiça contra os direitos indígenas. A posição do Conselho Indigenista Missionário, órgão conexo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, é de claro apoio aos indígenas e a confirmação da demarcação da área contínua. A assessoria jurídica do CIMI se recusa aceitar o argumento de que a demarcação causaria um isolamento dos indígenas ou seria um atentado ao conceito de soberania por considerar que os povos indígenas estariam formando uma nação dentro da outra. Nada disso parece ter procedência. Os índios estão integrados e em comunhão com a sociedade. Segundo o CIMI, os 5 povos que formam as comunidades da Reserva estão providos de uma base de promoção de cidadania que serve de referência para o país. Na Reserva existem 1.060 professores indígenas, 243 escolas indígenas, 13.000 estudantes indígenas, 420 agentes indígenas de saúde e 220 postos de saúde. Uma frase boba escrita com letras vermelhas na parede de uma catedral só cria complicações completamente inúteis ao debate. A pirarara enrola a linha para proteger-se do predador. Nesse sentido, minha comparação pode ser uma injustiça contra o peixe, mas ainda esta salva a lembrança do Pe. Figueiredo no sentido de que não precisaríamos dessa manifestação para compreender melhor essa situação. E há um precedente que ajuda na comparação. Na história de Roraima há um célebre litígio chamado de “questão de pirara” entre Brasil e Inglaterra que respondia pela Guiana por causa da disputa de território na região do rio Pirara que se localiza na fronteira. Nessa luta, o Brasil perdeu aproximadamente dois terços das terras em disputa e os embates foram além de conflitos armados entre os dois paises e invasões, envolveu a diplomacia internacional, a advocacia e vários anos sem uma definição final. Diante do quadro atual dos acontecimentos pode ser que estejamos diante de uma nova edição desse tipo de disputa.
Pe. Rafael Vieira, CSsR – 14.05.2008
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