
PADRE FLÁVIO CAVALCA DE CASTRO CSsR
Enquanto cidadão capaz de pensar, faço uma leitura do voto apresentado pela Ministra Ellen Gracie, Presidente do STF, no julgamento da constituicionalidade ou não do uso de embriões humanos em pesquisas (especificamente) referentes a células-tronco.
Inicialmente afirma que a função da corte será decidir se a lei em questão está ou não em contradição com a Constituição. Recusa-lhe a função de dirimir questões científicas, filosóficas, religiosas, morais ou éticas. Afirma ainda que não existe “uma definição constitucional do momento inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal”.
No encaminhamento da questão, faz uma observação muito séria e pertinente: está em questão o uso, em experiências científicas, de embriões sobrantes de processos de fertilização in vitro. Mas, antes seria preciso debater a “aceitação desse excedente de óvulos fertilizados como um custo necessário à superação da infertilidade”. No entanto, isso “nunca foi objeto de regulamentação pelo Congresso Nacional, havendo, nessa matéria, tão-somente, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (Resolução 1.358, de 11.11.1992). Note-se, portanto, que há realmente um vazio nas disposições jurídicas sobre a própria criação de embriões, que foi indiretamente ocupado pelo Conselho Federal de Medicina.
Logo em seguida, porém, passa a usar argumento apresentado como científico, mas que contém aspectos de ordem filosófica, por entrar na interpretação ontológica, ou constitutiva do ser. Apela para os conceitos de “embrião” e “pré-embrião”, e de uma conceituação “científica” tira uma conclusão moral: uma vez que o “pré-embrião” não é “humano” seu uso em experiências não é questão de ordem moral, mas técnica apenas. O sentido de “humano” é usado aqui de modo obscuro. Um “pré-embrião” de seres humanos simplesmente não é “humano”? Parece evidente que se trata do ser humano em um estágio específico e inicial da sua formação, a ser seguido por inúmeros outros estágios, também após o nascimento. – De fato, hoje mesmo em biologia e genética, se reconhece que a distinção que se quer fazer entre “pré-embrião” e “embrião” se baseia em mutações do mesmo ser, assim como mais adiante se faz a distinção entre embrião e feto. Estas verificações científicas podem ser úteis mas, em vez de negar, afirmam a unicidade do processo biológico evolutivo do ser humano em suas várias fases.
A ministra destaca depois as cautelas presentes na Lei 11.105/2005, sem discutir se essa lei, que regulamenta a liberação de organismos geneticamente modificados, era o contexto adequado para discutir o uso de embriões humanos em pesquisas. Surpreendentemente, dessas cautelas aduzidas, tira uma conclusão de maneira nenhuma sufragada pelas premissas:
“Assim, por verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no tratamento normativo dado à matéria aqui exaustivamente debatida, não vejo qualquer ofensa à dignidade humana na utilização de pré-embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas de células-tronco, que não teriam outro destino que não o descarte.”
Para quem não aceitar a argumentação baseada na distinção entre “pré-embrião” e “embrião”, a ministra oferece um argumento que parece julgar definitivo:
“destaco a plena aplicabilidade, no presente caso, do princípio utilitarista, segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o mínimo de sacrifício possível. O aproveitamento, nas pesquisas científicas com células-tronco, dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos.”
Será preciso mostrar aonde leva o utilitarismo como critério de ética e de moralidade?
Conclui a ministra que não existe violação ao direito à vida porque:
“A improbabilidade da utilização desses pré-embriões (absoluta no caso dos inviáveis e altamente previsível na hipótese dos congelados há mais de três anos) na geração de novos seres humanos também afasta a alegação de violação ao direito à vida”.
Mas, desculpe senhora ministra, aí lhe escapou uma falácia certamente involuntária (além da contida no conceito “pré-embrião”): os embriões, ou pré-embriões, se quiser, são utilizados na geração de novos seres humanos, ou já são as primeiras etapas do desenvolvimento de um ser humano já existente? Sua argumentação supõe como provado o que ainda o deveria ser.
No voto da ministra Ellen Gracie há elementos aceitáveis, e outros falhos ou capciosos. Sinceramente, com todo o respeito, eu esperava mais.
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