PADRE RAFAEL VIEIRA CSsR
A partir de agora, quem faltou ao catecismo no dia em que uma doce senhora ensinava a lista dos pecados capitais, já poderá decorar o nome dessas traições ao amor de Deus. Quem esteve presente na catequese sobre o mal moral, mas a memória já não ajuda a enumerar os sete pecados também poderá recordá-los. Uma telenovela da Rede Globo de Televisão, que teve início na semana passada, se propõe a contar histórias do cotidiano com o foco nesses pecados e a dimensão didática – para ensinar ou lembrar – está assegurada na arte gráfica que será apresentada de segunda a sábado, nos próximos meses, pela abertura do programa. E não se trata apenas de insinuação simbólica, cada um dos pecados tem o seu nome colocado em letras garrafais: luxúria, ira, gula, vaidade, inveja, avareza e preguiça. Não é de se estranhar que o tema chegue a ganhar tanto acento num folhetim de dramaturgia popular. O Brasil anda de mal a pior no que se refere ao discurso público sobre ética pessoal. A lambança dos políticos respinga em toda a sociedade e a opinião generalizada das pessoas é a de que cada um tem a marca de um pecado especial. A novela explora isso. Uma inverdade que traz consigo um risco enorme para a formação da consciência.
Uma face desse risco é representada justamente pela armadilha feita pela poderosa indústria da imagem para pegar incautos telespectadores ao acender o fogo do tratamento do pecado com um certo glamour. De repente, parece que ficou bonito e interessante ser pecador. A mistura de conceitos mal elaborados de certas ações humanas que diminuem a dignidade e corroem a capacidade de crescimento com saúde espiritual têm dado a impressão de que o reconhecimento do pecado e sua espetacular exploração parecem ser sinal de liberdade de expressão e, pior, de criatividade na cultura de massa. Se brincar, daqui a pouco, começarão a fazer concursos para se premiar quem é mais invejoso, avarento ou vaidoso. A luxúria já foi levada ao posto de um pecado atraente por conta da histórica repressão sexual do ocidente. A gula tornou-se, há muito tempo, objeto de publicidade para bons restaurantes e a ira ganhou, em meios mais juvenis, a conotação de algo excelente. Os jovens quando dizem que algo é irado, querem dizer que é maravilhoso.
Na Exortação Apostólica Reconciliatio et penitenciae, assinada pelo saudoso João Paulo II, há uma advertência que compensa ser recordada diante de um quadro de banalização do pecado como se verifica atualmente. O Papa afirma: “exclusão de Deus, ruptura com Deus, desobediência a Deus: é isto o que tem sido, ao longo de toda a história humana, e continua a ser, sob formas diversas, o pecado, que pode chegar até à negação de Deus e da sua existência”. É completamente inaceitável que a indústria do entretenimento queira entrouxar na realidade pecado, as características que sugerem bem-estar, realização e felicidade. O pecado é a negação de tudo isso porque sua prática exclui a fonte de todo o bem. Pouca gente vai se lembrar disso ao apreciar a abertura da novela das sete e, certamente, como sempre, muita gente vai eleger seus pecados e pecadores prediletos no folhetim. Pena. Restará sempre a misericórdia.
D. Orlando Brandes, bispo de Joinville, Santa Catarina tem uma palavra bonita sobre a misericórdia que pode nos dar a exata medida da tolerância da abordagem dos sete pecados capitais. Ele diz que o que não é misericórdia: “Não é permissividade. (...) Não é cumplicidade, isto é, não é justificação do mal, mas a destruição do mal. Não é banalização do pecado. A graça não é barata”. A misericórdia é, recorda Dom Orlando, tolerância, paciência, compaixão, compreensão. E para contrabalançar o mágico numero sete dos pecados que agora ganham figurino “global”, pode-se recorrer a uma imagem apresentada pelo bispo de Joinville: “Temos sete obras de misericórdia. O caminho da paz, o reino da solidariedade, a cultura do perdão, a civilização do amor, são expressões concretas da misericórdia. Quanto mais misericórdia, mais amizade e mais solidariedade. A misericórdia não conhece limites, é inesgotável, mas ela põe um limite ao mal.”.
Pe. Rafael Vieira, CSsR / 25.06.2007
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