PADRE RAFAEL VIEIRA CSsR
A França continua tal como era antes, depois da eleição de Nicolas Sarkozy. A participação do Partido Socialista, do saudoso François Mitterrand, nas eleições causou um enorme estranhamento do mundo da chamada esquerda em muitos países. Uma senhora de nome Ségolène Royal dividiu opiniões. Ela não tinha uma proposta afinada com o partido, parecia muito liberal, mas raspava nas posições consideradas de direita. Resultado: bateu na trave e não conseguiu ser a substituta de Jacques Chirac. No dia de sua derrota, uma atitude dos seus fiéis acompanhantes me chamou a atenção. Um grupo se dividiu em dois. O primeiro dizia "obrigado" e o segundo, "Ségolène". Num ritmo muito bonito de forma que deixou a mulher, que não saiu das principais manchetes da Europa e do mundo nas ultimas semanas, encabulada. Ela nem conseguiu prosseguir serena e coerentemente a leitura do seu discurso de despedida da cena atual. O fato foi registrado pelas televisões dos países que tem concessão nas mãos de socialistas, como Portugal. A Rede de Televisão Portuguesa propôs a gratidão dos franceses várias vezes nos telejornais do dia da derrota. E, ao ver aquela demonstração de afeto, fiquei pensando no que reúne políticos de esquerda e de direita no mundo inteiro: a subserviência de seus cabos eleitorais. Eles não se distinguem por ideologia e nem por ocasiões políticas. Estão sempre firmes e afinados para cantarolar refrões em favor dos seus personagens.
No Brasil, sucede a mesma coisa. O pessoal que sempre serviu as oligarquias de direita tem o costume de carregar seus candidatos nas costas. Fazem permanentes vigílias em suas casas durante o período eleitoral. Estão prontos para qualquer tarefa. Vestem-se com as cores partidárias ate mesmo quando não é necessário. Oferecem ajuda para qualquer coisa e não deixam de demonstrar que estão dispostos a qualquer sacrifício para o bem de seus eleitos. Chegam a ser inconvenientes. Assumem o papel de bajuladores estúpidos. Chegam ao ridículo para poder agradar. Certamente, todos eles, estão de olho em alguma benesse logo que as eleições terminarem e seus amigos forem eleitos. Nessa nova fase, deixarão a posição de capachos e passarão a ter uma postura de exigentes. Quem precisará de humildade serão os candidatos que foram levados a vitória por estarem acompanhados por essa gente. Aqueles que antes passavam por simples servidores se apresentarão, nos gabinetes, como credores de uma fatia especial do mandato. Já não terão palavras de carinho, mas reivindicações bem concretas e, quase sempre, com teor individualista. Os cantadores de hinos de exagerada devoção a candidatos, em caso de vitória, tornam-se pessoas com grande determinação em fazer valer cada frase entoada durante o tempo das campanhas. Nada fica de graçaa, tudo torna-se investimento com grande propensão em render empregos e favores.
Eu sempre achei que com a esquerda a história fosse diferente. Não é. No meu antigo entendimento, os partidos de composição popular estariam vacinados contra esse tipo de prática. Nada. Tudo funciona do mesmo jeito. A ode a Ségolène Royal não me deixa mentir. Ali, no coro francês, estão representantes dos cidadãos que deixam suas trincheiras sociais para grudar-se numa pessoa de com potencial eleitoral. As pessoas que cantam em favor de um candidato de esquerda durante suas campanhas eleitorais, que deixam seus trabalhos normais para se dedicarem ao trabalho político se comportam exatamente como os apoiadores da direita política. Eles querem um naco da estrutura do eleito. Não deixarão que sejam esquecidas suas gentilezas. Estarão, a postos, para exigir um pagamento sério pela dedicação demonstrada e uma posição confortável no novo cenário pós-eleitoral. E não se intimidam nem em diminuir o entusiasmo por seus ídolos em derrotas parciais. Os observadores mais gabaritados consideram que a campanha de Ségolène foi, na verdade, um ensaio para uma investida mais consistente e definitiva sobre a direita francesa que deverá se alegrar com apenas mais esse mandato na presidência da república. O campo mesmo que interessa aos membros do partido socialista e ao governo que quase sempre fica nas mãos da esquerda lá e em vários paises da Europa.
Entre nós não temos esse luxo. Um presidencialismo exacerbado retira dos outros poderes uma equalização de forças. Mas a cena de agradecimento a Ségolène prossegue sendo emblemática. Ela nos sugere a perpetuação do que ocorre nos processos eleitorais em todo canto. Os empregos de entoadores de slogans estão garantidos nas máquinas partidárias e nos compromissos feitos pelos candidatos. E, afinal, esta turma nem é muito expressiva. Nos cálculos que qualquer pessoa pode fazer, sem medo de errar, o número daqueles que agradeceram Ségolène Royal por ter sido tão corajosa na campana, não chega a uma centena. Número de pessoas que, tirando parentes e amigos leais que não cobram por uma boa torcida, serão premiados pela estupenda manifestação de esperança num nome feminino e extraordinariamente simpático para ajudar a França prestar mais atenção em questões sociais, especialmente, a da migração e dos jovens que vivem nos arredores das grandes cidades como Paris.
Pe. Rafael Vieira, 06.05.2007
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