PADRE RAFAEL VIEIRA CSsR
Fui um dos escolhidos para testes pela Rede Globo na semana que antecedeu a estréia da primeira edição do Big Brother Brasil em 2002. Já contei essa história e fiz uma série de reflexões sobre espiritualidade do cotidiano num livro publicado pela Editora Santuário. Por conta disso, até hoje, quando o assunto é tratado em alguma faculdade ou em comunidade da Igreja, em minha região, acabam me chamando para dar opinião. Depois de finalizada a edição de 2006, cheguei a conversar, pelo telefone, com o participante católico, ex-monge, Gustavo, que mora em Belo Horizonte, e disse a ele algo sobre a necessidade de se trazer para a reflexão, sobre o significado desses reality shows, uma questão de fundo: a experiência pretensamente divina do público que reage aos pedidos dos produtores do programa telefonando para punir quem é mau e para premiar quem se passa por bom. Tudo isso realizado, ao modo mais emocional possível, com pitadas de grandes contradições além de incluir o gravíssimo fato de que as chamadas telefônicas são a maior fonte de faturamento. As pessoas pagam para ver, fora do confinamento televisivo, os personagens que parecem ser merecedores de um castigo especial. E conservam, pela força aparente de um inocente voto, as figuras que mais chegam às profundidades da estrutura psíquica do telespectador comum. Ainda que tenha me esforçado para não me envolver, todo ano tenho que ficar sabendo do que ocorre no programa. Essa parece ser a vez de Diego Alemão.
O queridinho da hora é loiro e meio esquentado. Faz parte daquela cota definida pelo holandês John de Mol, criador dessa formatação de entretenimento, que inclui rapazes fortes, bonitos e pouco inteligentes. Ele é um descendente do Cleber Bam Bam. Claro que dotado de capacidade de articulação e não é um monumento à idiotice como se esculpiu na primeira versão. Alemão agrega um elemento novo que está fazendo uma diferença colossal na sucessão de paredões que enfrentou até agora. Ele é o antagonista, numa luta visceral, de um participante de nome Alberto que resolveu assumir fortemente o papel do estrategista desalmado capaz de destruir todas as simulações de afeto que são criadas na casa eletrônica. Seu codinome Caubói nada tem a ver com o vencedor caipira que passou três meses e meio calado, rezando para Nossa Senhora Aparecida e foi coroado com o prêmio da segunda edição que foi ao ar em 2003. Esse portador de chapéu não tem medo de ser considerado mal compreendido. Ele tem sido, até agora, o algoz do Diego. Os mais aficionados do gênero acham que ele vai dançar na primeira oportunidade que enfrentar uma disputa popular. Essas mesmas pessoas consideram até que o Alemão está se esboçando como o virtual campeão da temporada. Mas como se trata de jogo, basta uma manobra, um deslize e tudo isso muda da noite para o dia.
O que permanece válida, enquanto esse tipo de atração televisiva sobreviver, é a necessidade de uma reflexão, por parte do público, sobre a nossa tendência maniqueísta, rasa, fortemente influenciada pelo comportamento externo de fazer juízos morais. Caímos facilmente na armadilha de criar duas categorias de pessoas. Uma formada por aqueles que consideramos dignos, íntegros e bondosos. Tudo que essa gente fala e faz tem que, necessariamente, ser bem acolhido, valorizado e colocado em evidência. E a outra é formada pela classe de gente que não corresponde às nossas expectativas de comportamentos e, por isso, sem constrangimento algum, enquadramos seus feitos e seus discursos na vala das coisas ruins. Qualquer esforço que os representantes dessa categoria façam para parecer bons poderá ser considerada uma dissimulação desesperada. Essa tendência que nos assalta é a grande responsável pelos nossos preconceitos, nossas injustiças e nossos pecados. Afinal, ela não respeita a ambigüidade própria da natureza de todo ser humano. Somos uma mescla de bondade e maldade e a simplificação entre mocinhos e bandidos tem feito perpetuar fenômenos horrorosos de juízos temerários.
O Alemão pode até ter atraído a simpatia por algum traço psicológico que desconheço. Pode também ter caído nas graças do público pelo fato de ser vítima do Alberto, mas ele pode representar, numa leitura moral o símbolo do bem na guerra eterna contra o mau. Certamente por causa disso são desculpadas as suas falhas menores e, cada vez que ele é levado ao ringue do paredão, uma multidão de milhões de impulsos tilintam dinheiro nos cofres da Rede Globo para que ele não saia da trama. Nesse quesito, o programa é retrato da realidade, é um show da realidade.
Pe. Rafael Vieira, CSsR / 19.03.2007
Fui um dos escolhidos para testes pela Rede Globo na semana que antecedeu a estréia da primeira edição do Big Brother Brasil em 2002. Já contei essa história e fiz uma série de reflexões sobre espiritualidade do cotidiano num livro publicado pela Editora Santuário. Por conta disso, até hoje, quando o assunto é tratado em alguma faculdade ou em comunidade da Igreja, em minha região, acabam me chamando para dar opinião. Depois de finalizada a edição de 2006, cheguei a conversar, pelo telefone, com o participante católico, ex-monge, Gustavo, que mora em Belo Horizonte, e disse a ele algo sobre a necessidade de se trazer para a reflexão, sobre o significado desses reality shows, uma questão de fundo: a experiência pretensamente divina do público que reage aos pedidos dos produtores do programa telefonando para punir quem é mau e para premiar quem se passa por bom. Tudo isso realizado, ao modo mais emocional possível, com pitadas de grandes contradições além de incluir o gravíssimo fato de que as chamadas telefônicas são a maior fonte de faturamento. As pessoas pagam para ver, fora do confinamento televisivo, os personagens que parecem ser merecedores de um castigo especial. E conservam, pela força aparente de um inocente voto, as figuras que mais chegam às profundidades da estrutura psíquica do telespectador comum. Ainda que tenha me esforçado para não me envolver, todo ano tenho que ficar sabendo do que ocorre no programa. Essa parece ser a vez de Diego Alemão.
O queridinho da hora é loiro e meio esquentado. Faz parte daquela cota definida pelo holandês John de Mol, criador dessa formatação de entretenimento, que inclui rapazes fortes, bonitos e pouco inteligentes. Ele é um descendente do Cleber Bam Bam. Claro que dotado de capacidade de articulação e não é um monumento à idiotice como se esculpiu na primeira versão. Alemão agrega um elemento novo que está fazendo uma diferença colossal na sucessão de paredões que enfrentou até agora. Ele é o antagonista, numa luta visceral, de um participante de nome Alberto que resolveu assumir fortemente o papel do estrategista desalmado capaz de destruir todas as simulações de afeto que são criadas na casa eletrônica. Seu codinome Caubói nada tem a ver com o vencedor caipira que passou três meses e meio calado, rezando para Nossa Senhora Aparecida e foi coroado com o prêmio da segunda edição que foi ao ar em 2003. Esse portador de chapéu não tem medo de ser considerado mal compreendido. Ele tem sido, até agora, o algoz do Diego. Os mais aficionados do gênero acham que ele vai dançar na primeira oportunidade que enfrentar uma disputa popular. Essas mesmas pessoas consideram até que o Alemão está se esboçando como o virtual campeão da temporada. Mas como se trata de jogo, basta uma manobra, um deslize e tudo isso muda da noite para o dia.
O que permanece válida, enquanto esse tipo de atração televisiva sobreviver, é a necessidade de uma reflexão, por parte do público, sobre a nossa tendência maniqueísta, rasa, fortemente influenciada pelo comportamento externo de fazer juízos morais. Caímos facilmente na armadilha de criar duas categorias de pessoas. Uma formada por aqueles que consideramos dignos, íntegros e bondosos. Tudo que essa gente fala e faz tem que, necessariamente, ser bem acolhido, valorizado e colocado em evidência. E a outra é formada pela classe de gente que não corresponde às nossas expectativas de comportamentos e, por isso, sem constrangimento algum, enquadramos seus feitos e seus discursos na vala das coisas ruins. Qualquer esforço que os representantes dessa categoria façam para parecer bons poderá ser considerada uma dissimulação desesperada. Essa tendência que nos assalta é a grande responsável pelos nossos preconceitos, nossas injustiças e nossos pecados. Afinal, ela não respeita a ambigüidade própria da natureza de todo ser humano. Somos uma mescla de bondade e maldade e a simplificação entre mocinhos e bandidos tem feito perpetuar fenômenos horrorosos de juízos temerários.
O Alemão pode até ter atraído a simpatia por algum traço psicológico que desconheço. Pode também ter caído nas graças do público pelo fato de ser vítima do Alberto, mas ele pode representar, numa leitura moral o símbolo do bem na guerra eterna contra o mau. Certamente por causa disso são desculpadas as suas falhas menores e, cada vez que ele é levado ao ringue do paredão, uma multidão de milhões de impulsos tilintam dinheiro nos cofres da Rede Globo para que ele não saia da trama. Nesse quesito, o programa é retrato da realidade, é um show da realidade.
Pe. Rafael Vieira, CSsR / 19.03.2007
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