PADRE LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA CSsR
Espelho de duas faces
A espiritualidade que se deixa penetrar pela Palavra de Deus tem uma estrada garantida. Infelizmente, e por incompreensão da finalidade da Palavra, o povo de Deus se distanciou dessa fonte de água tão pura. Os motivos, podemos deixar de lado. A Palavra esteve sempre presente, pois ela não se reduz só a uns escritos, mas ao Deus Vivo que se comunica. Por isso o povo teve o alimento necessário. E agora, como podemos ir ao encontro desse tesouro? Diria que a Palavra de Deus, onde está guardada a Palavra, deve ser entendida como um espelho de duas faces. Quero dizer que nela vemos o Deus que fala e nela podemos ver a nós mesmos. Nela vemos nossa face e a face de Deus. À medida que vamos penetrando essa Palavra, lentamente nossa feição vai se ajustando às feições de Deus. É justa essa interpretação, pois o texto sagrado foi primeiramente vivido pela comunidade, recolhido na comunidade e depois depositado nesse cofre precioso. Ele tem a ver com nossas feições, e mesmo com as feições de um tempo histórico e de um homem concreto que o redigiu por último. Lendo o texto estamos primeiramente lendo nossa realidade. Deus se serve desse instrumento e, tendo inspirado o escritor, faz-nos ver naqueles escritos sua face. Lendo, ouvindo, meditando e celebrando a Palavra, vamos conhecendo o rosto de Deus. As religiões desfiguraram o rosto de Deus porque deixaram de estar atentas à Palavra que o manifesta. Vemos assim como o livro está ligado à pessoa de Deus. Na realidade, todo escritor se retrata em suas obras.
Ler-se diante de Deus
Diante desse espelho nós vamos vendo nossa face. A Palavra de Deus, escrita por uma pessoa humana, descreve a nós mesmos quem somos nós. Por isso, podemos nos ver a nós mesmos no texto sagrado. É a figura humana que vai sendo modelada por Deus. Deus é compreendido como o oleiro que pegou o barro e fez o homem, como lemos no relato da criação. Ele é o oleiro que continua nos modelando para sermos à Sua imagem e semelhança. Contemplando as Escrituras podemos ir percebendo quem somos, para onde vamos e como ir. Quando falamos de um santo, dizemos que ele se formou pela Palavra de Deus, isto é, deixou a santidade de Deus penetrar sua vida e levá-lo ao ideal humano mais profundo, ser imagem de Deus. A Bíblia é um livro divino, mas é humano, porque o Espírito usou a pessoa humana para escrevê-lo. Ali está o retrato do homem.
Comer o livro
Tanto o profeta Jeremias como o evangelista S. João falam de comer o livro. “Quando se apresentaram as tuas palavras, e eu as comi; e as tuas palavras eram para mim o gozo e alegria do meu coração” (Jr 15,16). “Tomei o livrinho da mão do anjo, e o comi; e na minha boca era doce como mel; mas depois que o comi, o meu ventre ficou amargo” (Jo,10,10). Comer a Palavra significa deixar-se penetrar por seu conteúdo, pelo desígnio de Deus. A Palavra de Deus é sempre doce ao paladar. O amargo vem do esforço para ser coerente e seguir. S. Tiago já nos alerta: “Tornai-vos praticantes da Palavra e não simples ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1,22). Podemos assim compreender que a Palavra faz parte da vida cristã e é caminho de espiritualidade. Estejamos assim, sempre mais em contato com ela, não fazendo do Livro Santo apenas um instrumento, mas vida.
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Art.nº405 - Junho/2005
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