Muitos
dos meus amigos me telefonaram logo após a eleição do novo papa e a
primeira pergunta deles era sempre a mesma: “o que achou do nome
escolhido?”. Achei o que mundo inteiro sentiu e a mídia referendou: há
no nome Francisco um significado simbólico altamente comprometedor.
Bergoglio ousou mexer em um santuário preciosíssimo, ali onde se guardam
as relíquias mais sagradas da humanidade, onde ninguém entra sem
assumir todas as consequências. A memória de São Francisco de Assis é
cultuada como um patrimônio moral intocável de toda a humanidade. Não é
por acaso que, em mais de 600 anos, nenhum papa ousou chamar-se
Francisco, nem mesmo os cinco que pertenciam à Ordem Franciscana e
chegaram ao pontificado.
Em sua primeira apresentação pública, o
novo papa curvou-se profundamente e pediu a bênção da multidão antes de
ele mesmo abençoar a todos os presentes. Era a mesma coisa que dizer: eu
não sou a Igreja sem vocês, a Igreja somos nós, vocês e eu. Ao escolher
o nome Francisco ele atreveu-se, deu-nos o direito de cobrar-lhe
semelhanças com o Poverelo de Assis. Enquanto podemos confiar no poder
dos símbolos, ele já nos ofereceu alguns indícios.
São Francisco converteu-se em um novo
homem a partir do momento em que beijou o leproso numa estrada de Assis.
Ele mesmo confessa: “o que era para mim motivo de repugnância
converteu-se em doçura do corpo e da alma”. Ali ele encontrou o Deus que
procurava.O novo papa fez algo parecido no dia da sua posse:desceu do
papa-móvel, e beijou um paralítico presente no meio da multidão.
Esperamos que este beijo espalhe-se por toda parte e seja entendido como
um novo sinal da escolha preferencial da Igreja.
No início da sua conversão, São
Francisco orava diante de um crucifixo pobre e desfigurado pela ação do
tempo, e aí escutou uma voz interior a dizer- lhe: “Francisco, restaura
minha Igreja, que se encontra em ruínas”. O novo papa trocou a
tradicional cruz peitoral de ouro e pedras preciosas por uma outra
apenas prateada.Talvez aí esteja o maior desafio do seu pontificado:
restaurar a Igreja, especialmente ali onde há forças de resistência
milenares e inamovíveis: a Cúria Romana. Neste ponto, além de coragem,
ele vai necessitar de uma corrente internacional de orações.
São Francisco desafiou o mundo cristão
da sua época, contrapondo-se à guerra dos Cruzados. Guerra é guerra,
sempre, pior ainda se é travada em nome de Deus. Que fez ele? Uma longa e
perigosa viagem, ao encontro do sultão, chefe do exército inimigo, e
lhe falou de paz. O sultão muçulmano não acatou suas propostas, mas lhe
concedeu um salvo-conduto. A aventura de São Francisco repercute até
hoje como profundamente revolucionária, a única que pode levar à paz
almejada. O novo papa encenou um gesto não menos revolucionário. Na
Quinta-Feira Santa fez sentar duas mulheres à mesa da eucaristia e lhes
beijou os pés, de acordo com o ritual sagrado. Elas eram muçulmanas.
Certamente muita gente tradicionalista da Igreja tremeu nas bases; um
papa admitir mulheres na mesa eucarística? Um papa beijar mulheres
muçulmanas?
Demais! Aguardamos o desdobramento deste ato de coragem.
São Francisco viveu e nutriu-se a vida
toda de uma grande paixão – a paixão pelo Cristo Crucificado. Talvez
porque viu nele a face de toda a humanidade. A despeito disso, ele era
uma figura alegre, tão alegre que inspirou uma expressão proverbial:
“alegria franciscana”.O novo papa costuma abrir-se num sorriso
espontâneo e cativante.
Deus o abençoe, papa Francisco, foi você mesmo quem nos provocou sonhos e
cobranças, ao fazer-se xará do homem que levou até a perfeição o seu
sonho de parecer-se com Jesus de Nazaré. Confiamos em você.

Frei Aloísio Fragoso, ofm
Ordem dos Frades Menores Capuchinhos
Publicado no Caderno Cidades/Jornal do Commercio em 05/05/2013
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