Ficha 35: A implantação do Concílio Vaticano II na América Latina
A
35ª Ficha de estudos sobre o Vaticano II trata da implantação do
Concílio na América Latina, que resultou em inovações e estimulou novas
práticas pastorais.
O Concílio conclamou a Igreja a
interpretar os “sinais dos tempos” e atuar frente à realidade na qual
estava imersa e, a partir dela, dar testemunho do Evangelho. E a Igreja
da América Latina o acolheu de modo criativo e inspirador fazendo uma
leitura dos documentos, a partir da sua realidade e necessidade, dando
um salto qualitativo para além da concepção centro-europeia que
prevaleceu no Vaticano II. O contexto histórico na década de 60 na
América Latina era extremamente conflitivo, carregado de contradições e
tensões, em que imperavam: um sistema de dominação econômica e política;
uma cultura burguesa dita católica, porém, sem a essência
profético-cristã; regimes militares autoritários; e uma enorme pobreza
associada à constante violação dos direitos humanos.
Uma das sugestões do Concílio para os
Bispos foi a organização de um Conselho Episcopal para dar
encaminhamentos pastorais às decisões tomadas e promover a colegialidade
entre eles (CD 9). A América Latina era, até então, o único Continente onde já havia um Conselho Episcopal, o CELAM [1],
que fora fundado em 1955, por ocasião da primeira Conferência, no Rio
Janeiro, para reunir e congregar os bispos Latino-Americanos, o que, de
certa forma, muito contribuiu para a articulação destes no Concílio.
Ao
longo dos 50 anos do início do Concílio ocorreram momentos muito férteis
para este organismo, que realizou quatro Conferências: Medellín (1968),
Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007), cujos
documentos evidenciaram a existência de um magistério episcopal bastante
encarnado na realidade Latino-Americana, a partir da tríplice opção
preferencial: defender e promover a vida; defender e promover os
direitos dos povos, sobretudo dos pobres; e reinventar a Igreja na base,
como Povo de Deus no meio dos povos da América Latina e Caribe.
Na segunda Conferência, e primeira
pós-Concílio, realizada na cidade de Medellín, Colômbia, traçou-se os
rumos para a Igreja no Continente, com o tema “A Igreja na atual
transformação da América Latina à luz do Concílio”, propondo uma
evangelização libertadora a partir dos pobres, ou seja, torná-los
protagonistas da evangelização a partir de sua realidade social e
cultural, trazendo-os para o seio da Igreja onde, até então, não tinham
voz e nem vez. Estas orientações fortaleceram a organização pastoral das
muitas Dioceses, e nestas nasceram as Comunidades Eclesiais de Base
(CEB’s). As primeiras CEB’s surgiram no período de 1963 a 1967 em áreas
rurais e regiões suburbanas, reunindo pessoas pertencentes às camadas
populares, como resultado de uma ação conscientizadora do clero e dos
religiosos que se deslocaram para regiões carentes em razão da ‘Opção
Preferencial pelos Pobres’ e, atuando como agentes de pastorais,
ajudaram o povo a perceber elementos reais de sua vida e situação
histórica. Organizaram-se de modo participativo para cultivar a fé
cristã, através da celebração dominical, unindo leitura bíblica,
reflexão e oração; e muitos passaram a se dedicar às Pastorais Sociais,
aos movimentos de luta e às reivindicações populares, organizando o povo
na luta pelos seus direitos básicos; ajudando a criar uma nova cultura
política; educando para a cidadania e a participação. Internamente,
estes movimentos contribuíram para que a Igreja se aproximasse mais dos
pobres; humanizaram o clero; criaram estruturas de participação e
corresponsabilidade; trouxeram espontaneidade e alegria; e encarnaram a
liturgia na vida do povo, valorizando imensamente o papel dos leigos.
Medellín firma, assim, o modelo de uma
pastoral comprometida com os direitos humanos e a transformação da
sociedade, coincidindo com a ascensão dos movimentos populares no mundo,
lançando sementes de uma Igreja mais popular e participativa. Optou
pelo ecumenismo de missão, em prol da justiça e da paz, onde as Igrejas
de várias confissões cristãs se empenharam pela libertação dos
oprimidos, em favor da construção de uma sociedade mais justa. Seus
temas mais marcantes foram: ‘Justiça’, ‘Paz’ e ‘Pobreza da Igreja’,
tendo como inspiração as palavras do papa João XXIII: “A Igreja é de
todos, mas principalmente quer ser uma Igreja dos pobres”. Escutou no
clamor do povo pobre um verdadeiro sinal dos tempos, a presença do
Espírito Santo, que pedia justiça e direito.
Essa Eclesiologia Latino-Americana se concretiza historicamente na perspectiva da Constituição Gaudium et Spes,
em sua metodologia ver-julgar-agir, na relação da Igreja com o mundo e,
particularmente, ao assumir os ensinamentos da Encíclica Populorum Progressio de Paulo VI (1967), que descreve e critica a ordem social e econômica. Pe. Oscar Beozzo
afirma que esta Encíclica teria sido prometida pelo Papa,
especialmente, aos Bispos da América Latina, que desejavam uma palavra
mais incisiva sobre os problemas dos países pobres, e que ela foi uma
‘das principais fontes de Medellín’.
A terceira Conferência, realizada na
cidade de Puebla, no México, contou com a presença entusiasmada do papa
João Paulo II e abordou o tema: “A Evangelização no presente e no futuro
da América Latina”. O compromisso com a libertação integral do ser
humano foi explicitamente confirmado pelo Papa quando, em seu discurso
de abertura, condenou os mecanismos que geram ricos cada vez mais ricos,
ao lado de pobres cada vez mais pobres. Reafirmando Medellín, Puebla
enfatizou a ‘Opção Preferencial pelos Pobres’ e a sua promoção dentro do
contexto global, enfocando a sua dignidade como imagem e semelhança de
Deus e partícipe da Igreja e da sociedade. Desse modo, manteve o traço
profético em defesa da dignidade da pessoa diante das violações
presentes nos regimes militares, além da ‘Opção Preferencial pelos
Jovens’ e pela ação da Igreja junto aos construtores da sociedade
pluralista na América Latina, portanto não só dos pobres. De modo muito
especial defende os direitos individuais e os direitos sociais. Em toda a
sua reflexão pastoral, busca-se a comunhão e a participação de todos na
Igreja e na sociedade para se chegar à verdadeira e autêntica
libertação.
A quarta Conferência realizou-se em
Santo Domingo, no Caribe, e nela houve o deslocamento do eixo
crítico-social para o cultural, diminuindo o impacto da ‘Opção
Preferencial pelos Pobres’ e pela libertação, na defesa da dimensão
universal da evangelização, com o tema: “Nova Evangelização, Promoção
Humana, Cultura Cristã. Jesus Cristo ontem, hoje e sempre”. Um dos seus
pontos positivos foi, justamente, a Inculturação [2], que valorizou as
culturas afro-ameríndias, a religiosidade popular, e também acenou para a
temática da solidariedade Latino-Americana e mundial diante do
crescimento da pobreza que fizera aumentar o fosso entre ricos e pobres.
Portanto, a opção pelos pobres não foi esquecida, mas foi matizada.
Conseguiu-se a reafirmação de importantes opções feitas pelas
Conferências anteriores: opção pelos pobres, com a riqueza de suas
culturas; nova evangelização entendida como promoção humana integral; e
evangelização inculturada.
Após 15 anos da Conferência de Santo
Domingo, um longo período diante da rapidez das mudanças ocorridas nos
tempos atuais, realiza-se no Brasil a quinta Conferência, na cidade de
Aparecida, dentro de um contexto de desafios e exigências que batem à
porta da Igreja e pedem passagem para um novo período da história: a
transição do papado de João Paulo II para o de Bento XVI (2005) que
esteve presente na abertura desta; a globalização e o neoliberalismo; o
progresso veloz das tecnologias de informação e a consequente extinção
de fronteiras culturais entre os povos através do mundo virtual
(Internet); a ‘laicização’ das sociedades e o consequente abandono da fé
em culturas tradicionais; o controle de uma significativa parte dos
Meios de Comunicação Social pelo poder econômico; a ‘escalada’ das
religiões neopentecostais nas camadas mais carentes da população e o
‘marketing’ da fé, especialmente, promovido pelas redes televisivas; a
ascensão dos movimentos feminista, ecológico, pacifista, antirracista e
inter-religioso. Esta Conferência propõe uma grande Missão continental
na esperança de fazer dos cristãos “Discípulos e missionários de Jesus
Cristo, Caminho, Verdade e Vida, para que nele nossos povos tenham
vida”.
Todas estas Conferências tiveram sua
importância, primeiro pela crescente colegialidade episcopal
Latino-Americano e Caribenho; segundo, por promulgarem documentos com
orientações para toda a Igreja do Continente, o que se configura como um
magistério particularíssimo; e terceiro, pelo desencadeamento de um
permanente movimento de articulação eclesial entre os outros membros da
Igreja: padres, religiosos(as), diáconos permanentes, leigos(as) e
teólogos(as) que, por sua vez, marca a presença de muitos destes nos
diversos organismos sociais que promovem e defendem a vida.
Por fim, cabe reconhecer que foi enorme o
impacto do Vaticano II na América Latina e Caribe, no esforço de
transformar a realidade socioeconômica, projetando o desafio da pobreza
como um desafio para a Igreja Universal e para todas as consciências
humanas. Passados cinquenta anos, ainda se busca realizar a implantação
do Concílio e a sua concretização como um todo. Por isso, a importância
desse estudo para o conhecimento, o entendimento e a prática dos
Documentos do Concílio Vaticano II, por todo o Povo de Deus.
Notas
[1] A tradição eclesial Latino-Americana
iniciou-se com a 1ª Conferência convocada pelo Papa Pio XII, celebrada
no Rio de Janeiro, em 1955. Desta Conferência, originou-se o Conselho
Episcopal Latino-Americano, CELAM, anterior ao Concílio
Vaticano II, que emanou documentos com profundas reflexões
teológico-pastorais que constituem o magistério da Igreja
Latino-Americana e Caribenha.
[2] A inculturação
é a introdução de uma cultura ou aspectos culturais de um determinado
povo à uma outra cultura. A palavra “inculturação” tornou-se importante
na Igreja para expressar a presença renovada da Igreja missionária: o
Evangelho é anunciado para se tornar um princípio que anima, guia e
unifica as culturas, transformando-as e renovando-as a partir de seu
interior até produzir uma nova criação, Cf. Redemptoris Missio n.52.
Referências Eletrônicas
Caliman, Cleto, Do Rio de Janeiro (1955) a Aparecida (2007): o Itinerário profético da Igreja na América Latina
Libanio, João, B., A Igreja a 50 anos do Concílio Vaticano II
Tosatti, Marco, O Concílio Vaticano II e a América Latina
Correio do Brasil, A recepção do Concílio Vaticano II na América Latina
Para Refletir:
1) De que forma as informações desta
Ficha ajudam você a conhecer e a compreender melhor a Igreja Católica
presente na América Latina?
2) Como a sua Comunidade e/ou Paróquia poderia colocar em prática as decisões emanadas nestas Conferências?
3) Como você vê a incidência dos Documentos do Vaticano II na Igreja Latino-Americana e, especificamente, em sua comunidade?

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