22ª Ficha: Desenvolvimento Econômico, Político e Social: o Novo nome da Paz (5ª da GS)
Constituição Pastoral GAUDIUM ET SPES (GS)
Sobre a Igreja no mundo de hoje
Esta 22ª Ficha conclui as reflexões
pastorais e orientações que a Igreja quis manifestar sobre algumas
realidades e/ou ’problemas mais urgentes’ que afetam profundamente a
humanidade, inicialmente tratadas na Ficha anterior. Nesta Ficha serão
abordados os seguintes temas: “Vida econômico-social”, “A vida da
comunidade política” e “A construção da Paz e a promoção da comunidade
dos povos”, referentes aos capítulos III, IV e V da 2ª parte da Gaudium et Spes (GS).
A Vida Econômico-Social
Este capítulo destaca que a dignidade do
ser humano deve ser respeitada e promovida também nas relações
econômicas da sociedade. O desenvolvimento econômico das nações deve
estar a serviço do homem, o protagonista da economia. Entretanto, o que
se vê é o abandono dos pobres à sua própria sorte, vítimas do sistema
sociopolítico e econômico injusto que produz: “ricos cada vez mais ricos ao lado de pobres cada vez mais pobres”,
segundo palavras do Papa João Paulo II, na abertura da Conferência de
Puebla, em 1979. Para a Igreja, a coexistência entre riqueza e pobreza
põe em risco a Paz Mundial e é em função disto que ela reafirma os
princípios de justiça e equidade para a vida de cada pessoa e para as
sociedades nacional e internacional.
O que sustenta a economia é o trabalho
humano. É com ele que o homem sustenta a sua e a vida de seus
familiares, e através dele serve aos irmãos e participa da criação
divina. Assim, mais que um dever, o trabalho é um direito que deve ser
assegurado pela lei, pois todo homem tem direito ao salário, a condições
humanizantes de trabalho e ao justo descanso para viver e dar vida
digna aos seus. A política econômica de cada nação deve assegurar
emprego e renda para todos os trabalhadores e, na medida do possível,
deve socorrer as nações menos desenvolvidas.
A Igreja defende a propriedade privada
como uma das condições das liberdades civis, mas a considera um direito
relativo em relação ao bem comum e universal (conjunto das condições de
vida de uma sociedade que favorecem o bem-estar e o desenvolvimento
humano de todos). Assim, a Doutrina Social da Igreja
considera que a propriedade privada só é licita quando produz e
propicia o trabalho e, somente nesta perspectiva ela pode ser defendida,
pois as propriedades privadas improdutivas não permitem que os pobres
nela se fixem e dela tirem seu sustento, e é baseado nesta afirmação que
a Igreja no Brasil apoiou a Reforma Agrária.
Neste capítulo, a Igreja sugere várias
propostas para renovar a vida econômica: melhorias nas condições de
trabalho, assegurar os bens e meios necessários para o digno trabalho,
reforçar a segurança no trabalho, promover a cooperação entre as pessoas
e assegurar a educação a todos, especialmente aos jovens. A Igreja
conclama que os cristãos envolvidos em atividades econômicas estejam
convencidos do bem que podem fazer à humanidade e deem testemunho da
vocação cristã, pois a construção de uma sociedade melhor passa também
pela atividade econômica social.
A Vida da Comunidade Política
Este capítulo destaca que a crescente
consciência sobre a dignidade humana pede uma ordem-político-jurídica
que assegure os direitos de todos na participação da vida e na gestão da
sociedade, por isso o Concílio condena as formas políticas que impedem a
liberdade civil ou religiosa em benefício de partidos e/ou dos próprios
governos. A comunidade política existe em vista do bem comum. A
autoridade pública deve servir a sociedade civil e exercer sua função
dentro do limite da ordem moral e, caso oprima os cidadãos, estes em
função da lei natural e do Evangelho devem defender seus direitos contra
o abuso de autoridade. Faz parte da natureza humana participar
politicamente da sociedade através do voto livre, que é tanto um direito
quanto um dever. O Concílio entende que a política é um espaço
privilegiado para o exercício da vocação cristã de serviço ao mundo, e
que a educação politica é necessária especialmente aos jovens.
É fundamental que se tenha clareza sobre
as relações da comunidade política e a Igreja. Ambas servem a
sociedade, são autônomas e independentes, mas devem cultivar a
cooperação entre si. Não devem servir-se uma da outra e tampouco
usufruir de vantagens advindas desta relação. A Igreja tem por missão
ensinar e denunciar o que não estiver de acordo com os direitos humanos.
A Promoção da Paz e a Comunidade Internacional
Este capítulo destaca a importância do
direito internacional contra ações criminosas a nações e etnias
inteiras. Daí a necessidade de fazer valer os acordos e as convenções
internacionais que exigem o respeito à dignidade humana. De forma
implícita, o Concilio lembra a função da ONU e de vários organismos
internacionais responsáveis pela promoção do bem comum. Reafirmando a
tradição de sempre condenar a guerra, declara que toda ação bélica
genocida é um crime contra Deus e a humanidade, e que deve ser punido
com firmeza. Lembra, também, que a corrida armamentista como
justificativa para assegurar a Paz é equivocada, e que é urgente
escolher caminhos alternativos que eliminem o escândalo da guerra e
restituam a Paz.
Para a Igreja, é função das autoridades
nacionais e internacionais buscar os meios mais aptos para assegurar a
vida, garantir a justiça e os direitos de todos. É função de todos
promoverem uma cultura de Paz que seja capaz de suplantar aquilo que
divide a humanidade, sobretudo entre os jovens e as crianças, pois
enquanto existirem sentimentos de hostilidade, desprezo e desconfiança,
ódios raciais e preconceitos ideológicos dividindo e opondo os homens,
de pouco adiantarão os esforços daqueles que buscam edificar a Paz. O
Concílio apela aos cristãos para que fieis a Cristo, o autor da Paz,
colaborem com todos os homens de boa vontade para juntos edificarem a
Paz.
Para a construção de uma cultura da Paz
como verdadeira “obra da justiça”, edificada no respeito à dignidade e à
prática assídua da fraternidade, é preciso uma compreensão ampliada da
prevenção da violência por meios legítimos e eficazes que envolvem: o
desenvolvimento econômico e a justiça social, a democracia, a
diversidade e o respeito pelos direitos humanos, o acesso aos bens
naturais, às políticas de desarmamento, a aplicação do direito
internacional, a segurança alimentar, a agenda de negociações, a
cooperação econômica a serviço da vida, e o desenvolvimento integral do
ser humano. Além disso, é preciso que haja uma reparação urgente dos
danos causados pela violência e um permanente projeto de educação para a
Paz.
Construção da Comunidade Internacional
Visando a promoção de ações sociais que
possam assegurar o acesso de todos aos bens necessários para a
manutenção da vida, a GS sugere algumas pistas: que o desenvolvimento
humano seja a finalidade expressa das nações; que os povos desenvolvidos
ajudem os que estão em vias de desenvolvimento; o estabelecimento de
uma comunidade internacional com autoridade e poder para coordenar e
estimular o desenvolvimento, além da regulação das relações econômicas
mundial; revisão das atuais estruturas sociais e econômicas, lembrando
não só as necessidades materiais, mas também aquelas de ordem cultural e
espiritual. Aponta também para a necessidade de auxílio educacional e
tecnológico, principalmente, para aquelas nações que sofrem com o rápido
aumento populacional, sem acesso a técnicas modernas de produção e sem
formação educacional e profissional adequadas e, principalmente, uma
melhor ordem social para uma justa distribuição da terra. Com isso a
Igreja quer despertar nos cristãos a responsabilidade humana e cristã,
consciente que ao exercer sua vocação, cumpre sua função social e
contribui para a consolidação da Paz.
Entre as alternativas para construir um
mundo mais participativo e humano surgem movimentos sociais locais e até
mundiais que trazem indicativos de que um “novo mundo é possível”. São
movimentos em defesa da reforma agrária, saúde, habitação, trabalho,
lazer, salário digno, igualdade de gênero, proteção ao meio ambiente,
igualdade de direitos, bem estar social, e pela Paz mundial. Estes
movimentos são essencialmente leigos e grande parte deles nasceu de
várias confissões religiosas, o que aponta a cooperação como forma
eficaz de afirmação da Paz, fundamentada no diálogo ecumênico e
interreligioso.
A Gaudium et Spes foi a mola
propulsora para uma série de documentos sobre o engajamento da Igreja na
promoção social. Em 1967, o Papa Paulo VI, na encíclica Populorum Progressio, afirmou que o desenvolvimento socioeconômico é o novo nome da Paz. Em 1968, o mesmo Papa publicou a encíclica Humanae Vitae
sobre os problemas do matrimônio e da família, condenando os métodos
contraceptivos artificiais que, segundo a Igreja, se destinavam ao
controle da natalidade. Em 1975, a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi
refletiu sobre a Evangelização no Mundo Atual. No pontificado do Papa
João Paulo II três importantes encíclicas fortalecem a Doutrina social
da Igreja quanto ao mundo do trabalho e ao humanismo: em 1981, Laborens exercens, em 1987, a Sollicitudo rei socialis, e, em 1991, a Centesimus annus. Em 2004, o Pontifício Conselho Justiça e Paz publicou o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, obra que reúne o pensamento social da Igreja.
Na América Latina as orientações da GS
fortaleceram as opções pastorais de uma Igreja profundamente promotora
da dignidade humana. A Conferência Episcopal Latino Americana de
Medellin reverberou a GS, na primeira parte do documento denominada: A
Promoção humana, onde deu grande ênfase nas questões de Justiça, Paz,
Família, Demografia, Educação e Juventude. Em 1979, na Conferência
Puebla, a Igreja latino-americana se questionou sobre a desigualdade e o
desrespeito aos direitos humanos que é um “escândalo e contradição”
para um continente que se afirma cristão. A Igreja profeticamente se
coloca preferencialmente ao lado dos pobres e dos jovens e se compromete
a defendê-los. Na quarta Conferência, em Santo Domingo, o documento
conclusivo denunciou as violações aos direitos humanos, especialmente
dos pobres. Na quinta Conferência, realizada em Aparecida, refletindo
sobre as influências da globalização, defendeu a valorização da vida e
da dignidade humana. Na linha da LG afirmou que os leigos devem ser os
protagonistas da evangelização através do testemunho social e politico.
No Brasil, a recepção da GS fortaleceu
uma clara posição da CNBB diante dos graves problemas que afligiam o
País. Assim foram publicados estudos e documentos que revelam a
preocupação pastoral da Igreja com a ordem politica e econômica, com a
distribuição da terra, com saúde pública, etc. Esta preocupação deu
origem às pastorais sociais que foram reproduzidas nas dioceses, nas
paroquias e nas comunidades.
Concluindo, tudo o que a GS apresentou
pretende ajudar os homens do tempo atual a tornar o mundo digno e sinal
do Reino Definitivo. Impõe-se, assim, que a fraternidade e a caridade
impulsionem o diálogo, o entendimento e o respeito à legítima
diversidade entre as nações, as raças, as culturas e religiões, pois o
que une a humanidade deve ser mais forte do que aquilo que a divide,
conforme o que ensinou Santo Agostinho, “que haja unidade no necessário,
liberdade no que é duvidoso, e em tudo, a caridade”.
Para explicitar que os cristãos devem
ser animados pelo ardente desejo de servir aos homens do mundo de hoje,
com generosidade e eficácia, a GS se encerra lembrando a palavra do
Senhor: “nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se vos
amardes uns aos outros” (Jo 13,35).
Para refletir
1) Você concorda que a religião (fé) não deve estar desconectada das dimensões econômicas, políticas e sociais? Por quê?
2) Por que a Paz é um bem tão ansiado por todos?
3) Que práticas pessoais e pastorais a GS nos sugere?
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