20ª Ficha: A Vocação do Homem e da Igreja no Mundo Contemporâneo (GS 03)
Constituição Pastoral GAUDIUM ET SPES
Sobre a Igreja no mundo de hoje
Esta 20ª Ficha aborda os capítulos III e
IV da GS: o “Sentido da Atividade Humana” e a “Função da Igreja no
mundo de Hoje” que tratam, explicitamente, da vocação de toda pessoa e
da comunidade eclesial no mundo, por isso, ela foi intitulada ‘A Vocação
do Homem e da Igreja no Mundo Contemporâneo’.
O Sentido da Atividade Humana no Mundo
Este capítulo se refere à toda atividade
humana, enquanto vocação humana, pois, segundo a fé cristã, o homem foi
chamado por Deus a transformar o mundo através de sua ação e,
especialmente, com o seu trabalho[1]. A Bíblia afirma que o trabalho é
muito importante, pois ele está ligado a todos os momentos da vida; ele é
como o sal que realça o sabor das coisas. Nele, a pessoa encontra o
sentido da vida e se realiza, vivenciando uma importante parcela de sua
vocação, pois é ‘dom de Deus que o homem possa comer e beber,
desfrutando do produto de todo o seu trabalho’ (Ecl 3,13). A GS enfatiza
que o trabalho existe para o homem e não o contrário, e que tem uma
dimensão social, pois se orienta para a busca e a construção do bem
comum. Nesta perspectiva, ele é visto como condição para assegurar ao
homem sua dignidade, sendo, portanto, um direito humano. Passados 50
anos do Concílio, se constata a percepção que os bispos tiveram sobre a
realidade socioeconômica da maioria dos países, nos quais o trabalho
humano era considerado apenas como uma mercadoria que a cada dia perdia
mais o seu valor o que, por consequência, atingia a compreensão do ser
humano, ferindo sua dignidade. Eis o motivo da GS ter sido considerada a
Carta Magna da Pastoral Social, o que alimentou e alimenta a luta pela
defesa da vida.
Constata-se que, graças à inteligência, à
técnica e à ciência, o homem alcançou muitos bens que contribuíram para
melhorar a qualidade da vida, todavia, isto parece ter contribuído para
a perda do significado antropológico do trabalho e da própria vocação
humana, pois desta realidade brotam perguntas tais como: Qual o sentido e
o valor do trabalho? Como os bens produzidos devem ser usados? Onde
chegará a mentalidade que associa o trabalho ao consumo? E, para
responder a isto, a Igreja, à luz do depósito da Palavra de Deus, expõe
sua concepção sobre o trabalho humano (GS33).
Para os que têm fé, toda atividade
humana, individual ou coletiva,corresponde ao Plano de Deus, pois
decorre do mandado divino de submeter a terra. Logo, ela é como um
prolongamento da atividade divina na construção do mundo. A mensagem
cristã existe para conscientizar que esta participação na obra de Deus
implica na responsabilidade social de buscar o bem estar, também, de
seus semelhantes (GS34), pois, da mesma forma que o trabalho procede do
homem, assim para ele se ordena. Trabalhando, o ser humano transforma o
mundo e a sociedade, mas também se constrói enquanto pessoa humana e,
assim, descobre que sua vocação é ser para os outros. Neste sentido, de
forma profética, a GS afirma que, o que o homem faz para promover a
justiça, a fraternidade e o bem comum é muito superior a qualquer
progresso técnico, que só alcança seu fim social com a participação e
desejo do próprio homem ao responder à sua vocação integral, não se
deixando dominar pelas coisas passageiras e nem pelo aparato técnico e
institucional que criou (GS35).
Muitos veem a religião como um
obstáculo à autonomia da atividade humana, especialmente a ciência, mas o
Concílio afirma que tanto a religião quanto a ciência procedem de Deus
e por isso, elas não são incompatíveis. Cabe aos fiéis, no entanto,
entender que esta autonomia não significa afastar Deus da atividade
humana, pois sem o Criador a criatura não subsiste; e que se faz
necessário haver caridade para com aqueles que acreditam na evolução
humana sem a intervenção divina (GS36).
A Sagrada Escritura ensina que o
progresso, apesar de grande bem para o homem, pode levá-lo a inverter a
ordem de valores, misturando o bem com o mal e considerando apenas o que
é seu, esquecendo o que é dos outros, abandonando a verdadeira
fraternidade. Por isso, a Igreja anseia ajudar as pessoas a ordenarem a
busca pela felicidade, reconhecendo a importância do progresso sem, no
entanto, se acomodarem somente com as coisas do mundo (GS37). Todo
esforço de construir um mundo novo e fraterno adquire novo sentido na fé
em Jesus Cristo que nos revela que “Deus é amor” e nos ensina que a lei
fundamental da perfeição humana é a vivência do mandamento do amor
(GS38). A certeza do Reino não deve acomodar o cristão, mas estimulá-lo a
contribuir num mundo que seja sinal do Reino definitivo (GS39).
O que deve ser destacado neste capítulo é
a visão otimista da Igreja que acredita na capacidade do ser humano de
fazer o bem e de transformar o mundo, e a missão que disso decorre, isto
é, anunciar o amor de Deus que quis associar a criatura humana à obra
da Salvação quando deu a cada ser humano o dom da liberdade e da vocação
de transformar o mundo com sua vida.
A Igreja no Mundo Atual
Este
capítulo se refere à compreensão do Concílio sobre a atividade da Igreja
no mundo. Ao termos presente que a GS é uma Constituição Pastoral, já
se anuncia que a Igreja deseja explicitar sua missão de pastora, aquela
que cuida e conduz o rebanho, confiado pelo seu Senhor, neste mundo.
Com isto, a Igreja deseja apresentar-se como servidora do mundo, a
exemplo de seu Fundador. Eis, pois, a razão do título deste capítulo
ser, também, o subtítulo desta Constituição.
Embora convicta de seu fim escatológico,
a Igreja de Cristo neste mundo, organizada como sociedade, é uma
comunidade visível que deseja caminhar com a humanidade e ajudar,
através de seus ensinamentos, a tornar a família humana fraterna e
solidária (GS40). Assim, a Igrejaentende que, apesar do desenvolvimento
humano e da afirmação de seus direitos, os quais ela proclama e apoia os
que os promovem, ela existe para ajudar o homem na busca pelo
significado da sua vida, da sua atividade e da sua morte, e na
compreensão da Revelação Divina (GS41).
A Igreja sabe que a missão que lhe foi
confiada por Cristo não é de ordem política, econômica ou social, mas de
ordem religiosa. Dos apelos do Evangelho surgem as obras sociais de
amparo aos necessitados e, além disso, ela se coloca a serviço da
humanidade como promotora, orientadora e colaboradora daquelas
instituições, pessoas e associações que buscam preservar a dignidade e
bem estar de todos. Fiel ao mandato de Cristo, a Igreja anuncia o Plano
de amor para a humanidade e denuncia tudo e todos que se opõem a isto
(GS42). Estas palavras foram de grande incentivo às chamadas Pastorais
Sociais que surgiram depois do Concílio, especialmente na América
Latina.
O principal destaque deste capítulo está
na afirmação de que a Igreja se faz presente no mundo através da ação
dos leigos que conscientemente assumem a sua vocação de serviço no mundo
como um serviço religioso. Assim, para a Igreja não existe oposição
entre ‘fé professada’ e vida ‘cotidiana’. Cabe, pois, aos leigos,
evangelizar onde exercem as suas atividades. O texto diz: “Ao
negligenciar os seus deveres temporais, o cristão negligencia os seus
deveres para com o próximo e com o próprio Deus, e coloca em perigo a
salvação eterna”. Assim, serão testemunhas de Cristo exercendo no mundo
sua funçãocomo membros da Igreja. Caberá aos ministros ordenados o
ensinamento da mensagem cristã a fim de quetodas as atividades dos fiéis
sejam iluminadas pelo Evangelho (GS43).
Para continuar sua missão e manter sua
mensagem sempre atual, a Igreja continuará necessitando do auxílio
daqueles que vivem no mundo e conhecem profundamente o espírito e o
conteúdo das várias instituições e disciplinas, a fim de alcançar cada
vez mais a percepção da Palavra revelada (GS44).
Todo bem que a Igreja pode prestar ao
mundo deriva do fato de ela ser ‘o sacramento universal da salvação’.
Através dela, o próprio Senhor continua a dizer: ‘Eu sou o alfa e o
ômega, o primeiro e o último, o começo e o fim’ (Ap 22,12-13) (GS 45).
‘Eis que faço novas todas as coisas…’, esta é a certeza do Evangelho
para ‘as aspirações, esperanças e angústias do mundo de hoje’.
Concluindo, a vocação de todo cristão e
também da Igreja é ser sinal do Reino de Cristo no mundo. Muitas são as
formas de serviço, mas a principal delas é testemunhar que a vida
humana deve ser defendida e protegida. Os leigos devem fazer isso
atuando no mundo em todas as oportunidades que tiverem, e a Igreja que,
como disse o Papa Paulo VI, é especialista em humanidade, por sua vez,
exerce sua missão anunciando e denunciando tudo aquilo que vai contra as
propostas do Reino.
Nota
[1] Cf. Cap. VI do Compêndio da Doutrina Social da Igreja – O Trabalho Humano
Para refletir:
1) Qual o sentido do trabalho humano? E por que este sentido tem sido destruído?
2) Como a vivência da fé influencia o nosso compromisso com as pessoas hoje?
3) Quais os desafios da Igreja no mundo atual?
4) Viver autenticamente o Evangelho é “estar na mão” ou “na contramão” da cultura pós moderna? Como você entende isso?
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