26ª Ficha: Declaração Nostra Aetate (NA)
Sobre o Diálogo Inter-religioso
Não haverá paz entre as religiões,
se não existir diálogo entre elas.
Não haverá diálogo entre as religiões,
se não existirem padrões éticos globais
Hans Küng
A Declaração Nostra Aetate
(NA), sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs, foi
aprovada no dia 28 de Outubro de 1965, pela Papa Paulo VI. Com esta
Declaração, a Igreja Católica assume, oficialmente, a abertura de
caminhos, proporcionado pela visão eclesial da maioria dos bispos
participantes do Concílio, para o diálogo com as Religiões não cristãs
denominado diálogo inter-religioso (DIR), o qual não deve ser
confundido com o diálogo entre religiões cristãs, chamado Ecumenismo,
defendido no Decreto Unitatis Redintegratio (UR), promulgado um ano antes. (Cf. Ficha 25)
O documento destaca a abertura ao
diálogo com o Budismo, o Hinduísmo, o Islamismo e o Judaísmo [1], e o
fato do Concílio não ter abordado a relação com outras religiões pode
ser interpretado pela exiguidade do tempo e por existirem muitas
religiões. Desta forma se compreende que aquelas citadas são referências
paradigmáticas, na indicação de caminhos e novas perspectivas para o
diálogo inter-religioso, principalmente no mundo globalizado. Destaca-se
aqui a influência do Papa João XXIII que sonhava com a união de todos
aqueles que ele nomeava como ‘homens de boa vontade’ em vista do bem
comum, pois as reflexões apresentadas na NA confirmam o seu pensamento
de que as religiões tinham mais pontos em comum do que divergências e
que estas deveriam ser deixadas de lado em favor de um bem maior, a paz e
o amor entre a humanidade. Assim também interpretou Santo Agostinho ao
falar da necessária unidade dos cristãos: “Nas coisas essenciais, a
unidade; nas duvidosas, a liberdade; e em tudo a caridade”.
Como a maioria dos Decretos e
Declarações, a NA deve ser lida e entendida a partir das Constituições
Pastorais GS e LG, isto é, ao reconhecer que a modernidade contribui
para o contato e o consequente aumento das relações entre os vários
povos, inclusive os de religiões diferentes, a Igreja percebe a
necessidade de explicitar a reflexão pastoral sobre sua relação e a
relação dos cristãos com estas religiões que não são novas, mas que eram
ignoradas pela Igreja. Positivamente, mesmo sem concordar com outras
doutrinas, o texto reconhece que todas as manifestações religiosas são
expressões da fé e da cultura de cada povo e, por isso, acolhe com
respeito todas as religiões, na perspectiva de dialogar sobre as comuns
aflições humanas, pois é por meio das religiões que os homens procuram
‘resposta aos mais profundos enigmas da condição humana, as quais, hoje
como ontem, profundamente preocupam seus corações.
Talvez para nós, hoje, esta abertura
possa parecer pouco significante, mas não o era há quase 50 anos, quando
católicos rejeitavam as religiões não cristãs. Nesta perspectiva, o
documento tem a finalidade de esclarecer os católicos e incentivá-los a
buscar o diálogo, como atitude coerente de seguidores do Príncipe da
Paz. Assim, darão testemunho de que acreditam que Jesus Cristo é
«caminho, verdade e vida» (Jo.14,6), em quem os homens encontram a
plenitude da vida religiosa e no qual Deus reconciliou consigo todas as
coisas.
Afirma a NA que, no Hinduísmo, os homens
buscam conhecer o mistério divino, expresso na abundante multiplicação
dos mitos, e a libertação das angústias por meio da oração e da
meditação no refúgio amoroso e confiante em Deus. No que diz respeito ao
Budismo, seus seguidores reconhecem a radical insuficiência deste mundo
mutável e buscam um caminho pelo qual os homens, com espírito devoto e
confiante, possam alcançar o estado de libertação perfeita ou atingir a
suprema iluminação.
Ao abordar o Islamismo, o documento
lembra que esta religião, ao lado do Judaísmo, possui uma característica
comum ao Cristianismo, pois as três são monoteístas, isto é, possuem um
único Deus. Além deste importante fundamento, o Islamismo honra Maria e
espera pelo dia do juízo, têmapreço à vida moral e presta culto a Deus,
sobretudo com a oração, a esmola e o jejum.
Com relação ao Judaísmo, a Igreja
reconhece que é grande o patrimônio espiritual comum entre cristãos e
judeus, por isso, o Concílio recomenda o mútuo conhecimento e estima, os
quais se alcançarão, sobretudo, por meio dos estudos bíblicos e
teológicos e com os diálogos fraternos. Em razão disso, afirma que,
ainda que as autoridades judaicas tenham determinado a morte de Cristo,
isso não pode ser atribuído indistintamente a todo povo judeu daquela
época e muito menos do nosso tempo, afastando, assim, todo tipo de
antissemitismo, perseguições e sentimento de ódio, especialmente aquele
ocorrido durante a segunda Guerra Mundial. A justificativa para isto foi
lembrar que a Igreja sempre ensinou e ensina que Cristo sofreu,
voluntariamente e com imenso amor, a Sua paixão e morte, pelos pecados
de todos os homens, para que todos alcancem a Salvação [2].
Como conclusão, o Concílio exorta a
fraternidade universal e a reprovação de toda a discriminação racial ou
religiosa, ou violência praticada por motivos de raça ou cor, condição
ou religião, e lembra que não podemos, porém, invocar Deus como Pai
comum de todos, se nos recusamos a tratar como irmãos, homens criados à
Sua imagem. De tal maneira, estão ligadas as relações do homem a Deus
Pai e aos outros homens seus irmãos, que a Escritura afirma: «quem não
ama, não conhece a Deus» (1 Jo. 4,8). Em consonância com a DH, a NA
lembra que todos têm o direito de professar a sua fé e que nenhuma
religião é superior a outra, e nenhum país pode promover ou reprimir uma
determinada religião.
Os papas Paulo VI e João Paulo II, com
gestos proféticos e ensinamentos próprios, desempenharam um papel de
animação e de guia no diálogo inter-religioso. Em 1964, antes da
promulgação da NA, o Papa Paulo VI, durante uma visita a Jerusalém,
encontrou-se com líderes muçulmanos, e depois, em Bombaim, com os
representantes das religiões da Índia. Em 1966, recebeu, em Roma, o Primaz Anglicano e nos anos seguintes encontrou-se com outros lideres religiosos. Ainda em 1964, instituiu o Secretariado para os não Cristãos que, em 1988, foi transformado em Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso
e passou a ser a organização central da Igreja para a animação e a
coordenação das iniciativas de diálogo com as outras religiões. Este
Conselho elaborou dois documentos que tratam de aspectos muito
específicos que marcaram o caminho do diálogo: Diálogo e Missão (1984), e
Diálogo e Anúncio (1991).
Na mesma linha do diálogo
inter-religioso, entre as iniciativas mais significativas do Papa João
Paulo II, merece especial menção o discurso aos jovens muçulmanos em
Casablanca, no dia 19 de agosto de 1985, e, sobretudo, a Jornada de
Oração de Assis, junto com líderes de outras religiões do mundo, no dia
13 de abril de 1986 e que foi transformado em Jornada anual, isto é, se
repete a cada ano, e que o Papa Bento XVI tem se empenhado em continuar.
Segundo ele o encontro das religiões só é possível, num diálogo que
respeite mutuamente as verdades doutrinais de cada religião [3]. O tema
predominante destes encontros tem sido a evangélica pregação da paz.
Na América Latina, através das
Conferencias de Medellín (1968), Puebla (1979) e Santo Domingo (1992)
foi lançado um olhar pastoral sobre o pluralismo cultural e religioso
das religiões afro-indígenas, afirmando que uma nova evangelização só
torna-se possível conjugando adequadamente a promoção humana e a cultura
do diálogo, partindo sempre de Jesus Cristo que abre caminhos de
testemunho cristão ao promover a liberdade e a dignidade dos povos,
estimula a cooperação pelo bem comum, supera a violência religiosa e
educa para a paz e a convivência fraterna. A V Conferência de Aparecida
(2007), busca viver e promover a efetividade dos documentos do Concílio,
no caso, o Ecumenismo e o diálogo inter-religioso e cultural, tratado
na NA. Nas ‘pegadas’ do Vaticano II, reconhece-se que pelo sopro do
Espírito Santo e outros meios, a graça de Cristo pode alcançar a todos
os que Ele redimiu para além da comunidade eclesial. É preciso,
portanto, que se promova uma convivência onde todos se respeitem, e
tenham o direito de viver e comunicar as suas convicções, em cujo
diálogo, está implícita a confissão da própria fé e seu anúncio.
No Brasil, de 1996 a 2003, a promoção do
diálogo inter-religioso era promovida pela “Dimensão Ecumênica” através
dos vários “Planos de Pastoral” da CNBB, e a partir de 2003, “A
Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso” assumiu a
responsabilidade deste serviço pastoral, cujas principais publicações
são “A Igreja Católica Diante do Pluralismo Religioso no Brasil, I, II e III”, e o “Guia para o Diálogo Inter-religioso”.
A CNBB, desde o ano 2000, na busca do
diálogo inter-religioso, tem procurado escolher temas para a Campanha da
Fraternidade, que envolvam todos os setores da sociedade, buscando o
apoio de todas as religiões. No ano 2000, tratou da ‘Dignidade Humana’
(Dignidade Humana e Paz – Novo Milênio sem exclusões); em 2002 sobre a
Fraternidade e Povos Indígenas (Por uma terra sem Males); em 2005 sobre
a promoção da Paz através da solidariedade (Felizes os que promovem a
Paz – Dignidade e Paz); e, em 2010, abordou questões relativas à vida
econômica (Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro – Economia e
Vida). A grande motivação é perceber que as religiões têm a missão de
promover a conscientização e defesa da dignidade humana na luta pela
terra, pela saúde, pela educação.
A pluralidade religiosa presente no
trabalho, nos bairros, nos prédios, e até mesmo dentro de uma mesma
família, desafia todas as religiões ao exercício fundamental do diálogo;
ao compromisso com a defesa da vida; a lutar contra as forças de
destruição, do caos e violência; e participar no esforço para construir
relações mais humanas, como condição para a paz.
A NA não condena outras religiões nem
orienta os católicos a fazerem isto, mas pelo contrário, vê em todas as
religiões a possibilidade de unir pessoas que historicamente
construíram culturas diferentes. A coexistência entre estas diferenças é
o grande desafio da pós-modernidade, que não se resume em acabar com as
diferenças, mas promover o respeito e a convivência pacifica entre as
religiões.
Notas
[1] A ideia desta Declaração nasceu somente depois de iniciadas as reflexões sobre o Ecumenismo, abordadas no Decreto Unitatis Redintegratio
(UR), de 1964, que até então incluía apenas um destaque sobre a relação
do catolicismo com o judaísmo. Como o judaísmo não é uma religião
cristã, surge a ideia de um documento que trate do diálogo com as
religiões não cristãs.
[2] Antes mesmo do Concilio, a pedido de
João XXIII, foram retiradas da liturgia de Sexta-feira Santa as duras
expressões relativas aos judeus, que os acusavam de deicídio, o que já
sinalizava um novo tempo de relacionamento e diálogo judaico-católico.
[3] Esta afirmação do papa é explicada no texto: Diálogo, Entendimento e Compreensão. Conferência de Aparecida e o Diálogo Inter-Religioso.
Para Refletir
- O que a Declaração Nostra Aetate significa na história da Igreja Católica?
- O que a Declaração Nostra Aetate trouxe de novo para você?
- Qual a contribuição que a expressão “diálogo inter-religioso”, proposta pela NA, pode oferecer à sociedade?

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