Ficha17: A Sagrada Escritura na Vida da Igreja
Constituição Dogmática DEI VERBUM
Sobre a Revelação Divina
Esta
décima sétima ficha e quinta da DV se refere ao último capítulo deste
importante documento conciliar. Na dinâmica de abertura do Concílio,
este capítulo destaca o quanto a Sagrada Escritura é importante na vida
da Igreja e que ela sempre foi venerada, assim como o próprio Corpo do
Senhor, pois ambos alimentam e dirigem toda a vida cristã. Em razão
disso, a Bíblia não só é alimento, mas, principalmente, regra para a
Igreja (CIC 141) (DV21). Conscientes deste grande tesouro e atentos aos
sinais dos tempos, os padres conciliares insistem que o acesso à Sagrada
Escritura seja amplamente aberto aos fiéis (CIC 131) e em razão disso
recordam a importância dos estudos bíblicos como fundamento perene da
Teologia e de toda pregação litúrgica e espiritual, e do contato com a
Palavra de Deus (leitura orante da bíblia) como exigência para todos
os cristãos, principalmente aqueles que têm o múnus de ensiná-la.
Como já vimos nas fichas anteriores, A Dei Verbum
representou a abertura pastoral para o uso e leitura da Sagrada
Escritura pelo povo, até então limitado pela prática eclesial. Antes
mesmo da Reforma Protestante, sec. XVI, já havia restrições parciais e
locais para a publicação e a leitura da Bíblia, seja em latim ou em
vernáculo. Com a Reforma Católica, conhecida como Contra-Reforma,
realizada pelo Concílio de Trento (1545 a 1563), essas restrições
parciais se tornaram universais. Em 1559, sob Paulo IV, e depois, em
1564, sob Pio IV, a Congregação do Índice promulga o Index Librorum Prohibitorum
e veda também que, sem uma licença especial, se pudesse imprimir e
possuir Bíblias em vernáculo. Não se tratou de uma proibição absoluta do
contato individual com a Escritura, mas restringiu-se o uso da Bíblia
só para quem sabia latim. Somente em 1757 foi novamente autorizada a
edição da Bíblia em vernáculo.
Após a promulgação das Encíclicas Providentissimus Deus, de Leão VIII (1893); Spiritus Paraclitus, de Bento XV (1914); e Divino Afflante Spiritu,
de Pio XII (1943); e o Código de Direito Canônico, de 1917, um novo
impulso é dado aos estudos bíblicos, à leitura cotidiana e à divulgação
da Escritura, que ficou conhecido como Movimento Bíblico. Como já vimos
nas fichas anteriores, quando se iniciou o Vaticano II, muitos Bispos
defendiam uma reforma nas orientações eclesiais sobre o uso da Bíblia.
No entanto, prevalecia o ambiente de cautela, e ainda durante a redação
da DV houve vozes que pediam que o documento exprimisse reservas quanto
ao livre acesso dos leigos à Bíblia, devido à preocupação do perigo de
uma interpretação equivocada que pudesse levar a erros doutrinais [1].
Na promulgação do documento, os Bispos
conciliares, inspirados pelo Espírito Santo, recordam que a Igreja fez
sua a antiquíssima tradução do Primeiro Testamento, do hebraico para o
koiné (grego helênico e/ou popular), chamada de Versão dos Setenta ou
Septuaginta [2], realizada entre os séculos III e I a.C; que guardam
grande consideração pela Vulgata [3], mas lembram que a dinamicidade do
mundo moderno exige que haja traduções para as diversas línguas, que
devem ser sempre feitas com zelo e atenção, de preferência a partir dos
textos originais (DV 22).
O documento lembra que a Igreja conta
com a colaboração dos exegetas católicos e com demais teólogos para a
investigação e explicação da Sagrada Escritura. Assim, sob o cuidado do
Magistério, a Igreja cuida para que um maior número de ministros da
Palavra possa oferecer, ao povo de Deus, o alimento advindo das
Escrituras, iluminando as inteligências, fortalecendo as vontades e
inflamando os corações dos homens no amor a Deus (DV23). O Concílio
insiste que a Teologia tem seu fundamento na Palavra de Deus e nela
encontra firmeza, se atualiza e investiga, à luz da fé, toda a verdade
do mistério de Cristo (DV24).
A DV, além de promover o acesso,
recomenda o contato íntimo, o estudo e a leitura assídua da Sagrada
Escritura aos padres, principalmente, para a pregação das homilias; aos
diáconos e catequistas encarregados do ministério da Palavra, da
pregação pastoral e da instrução cristã, pois, segundo São Jerônimo, o
“desconhecimento das Escrituras é o desconhecimento de Jesus Cristo”,
para que comuniquem, com fidelidade e amor, as riquezas da Palavra
Divina. O Concílio exorta os fiéis a aprenderem a ciência de Jesus
Cristo com a leitura frequente da Palavra de Deus, de modo particular o
Segundo Testamento e sobretudo os Evangelhos; façam cursos, participem
de estudos bíblicos e pratiquem a leitura espiritual e oração sempre
acompanhados da Sagrada Escritura, pois, segundo Santo Ambrósio “falamos
com Deus quando rezamos e a Ele ouvimos quando lemos os divinos
oráculos” (DV25).
Ao final desta Constituição Dogmática,
os padres conciliares concluem “que seja difundida a Palavra de Deus e
acolhida com honra” (2Ts 3,1) por meio da leitura e dos estudos dos
Livros Sagrados, a fim de que os corações dos homens encham-se do
tesouro da Revelação confiado à Igreja. E, confiantes esperam um novo
impulso espiritual e aumento da veneração pela Palavra de Deus “que
permanece para sempre” (Is 40,8; cf IPd 1,23-25) (DV 26).
No ano de 2008 realizou-se, no Vaticano,
a XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, com o tema ‘A
Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja’, que foi uma confirmação
da DV. Deste Sínodo, o papa Bento XVI escreveu a Exortação Apostólica Verbum Domini que está divida em três partes. A primeira denominada Verbum Dei, “A revelação de Deus que Se dá a conhecer no diálogo com as criaturas” ( 6-49); a segunda parte é Verbum in Ecclesia, “A Palavra de Deus e a Igreja” , relação entre Cristo, Palavra do Pai, e a Igreja (50-89); e a última parte denominada Verbum Mundo, que trata da “A Missão da Igreja” (90-120) que brota da palavra de Deus.
Ao tomar contato com este capítulo, se
percebe o grande incentivo que a Igreja deu ao que hoje chamamos de
Pastoral Bíblica. Nestes cinquenta anos, graças a este importante
documento, a Sagrada Escritura tornou-se algo muito presente na vida de
muitas pessoas. O estudo da Bíblia é o tema mais requisitado pelos
agentes de pastoral e, cada vez mais, se multiplicam os grupos de
reflexão bíblica nas paróquias e comunidades. Se hoje, na maioria dos
encontros se faz a leitura e a meditação da palavra de Deus, isso se
deve à DV.
Para concluir a reflexão sobre esta ficha, ouça e medite a música “Tua Palavra” de Zé Vicente, o grande cantador da CEBs.
Notas:
[1] O Impulso bíblico no Concílio: A Bíblia na Igreja depois da Dei Verbum- Pe. Cássio Murilo Dias da Silva
2] Septuaginta:
O nome sugere que esta tradução teria sido concluída em 72 dias, por 72
israelitas, interpretes escolhidos por Deus. A Septuaginta foi usada
pelos judeus helenistas e depois pelos cristãos, e continua sendo usada
como base para diversas traduções da Bíblia.
[3] Vulgata:
A Bíblia traduzida para o latim, realizada por São Jerônimo, entre
fins do século IV e início do século V, a pedido do Papa Dâmaso. Após o
Concílio Vaticano II foi criada uma comissão para sua revisão, que foi
concluída em 1975, sendo promulgada em 1979, pelo Papa João Paulo II,
recebendo o nome de Nova Vulgata.
Gravura: Escuta, Povo de Deus
Referências Bibliográficas
Barbosa de Souza, d. João Bosco, Verbum Domini, O esperado documento sobre A Palavra de Deus na vida da Igreja
Bento XVI, Exortação Apostólica Verbum Domini
Dias da Silva, Pe. Cássio Murilo,O Impulso Bíblico no Concílio: A Bíblia na Igreja depois da DeiVerbum
A Exortação Apostólica Verbum Domini in Observatório Bíblico
Sbardelotto, Moisés, A Palavra de Deus como “acontecimento” e “encontro”. Entrevista de Johan Konings para a Revista I.H.U.
Para refletir:- Segundo esta ficha, por que a Palavra de Deus é o fundamento da Igreja?
- Como o estudo da DV contribuiu para a sua formação?
- Como a Igreja e os fiéis têm tornado viva a Palavra de Deus?
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