Entrevista com
o
Cardeal
Raymundo Damasceno Assis, Arcebispo de Aparecida
Repórter Suellen Fernandes, do Portal G1 do Vale do
Paraíba e Região
Leia a seguir os principais trechos da entrevista
do presidente da CNBB sobre a escolha do novo pontífice.
G1: O sr. está se preparando para a escolha do novo
Papa? Como é o preparo?
Dom Raymundo: Primeiro, procurando rever na memória os
cardeais que eu conheço e que vão participar do conclave, para ver se tenho
alguma ideia mais clara sobre cada um deles. Em segundo lugar, é fundamental a
oração, para que nós realmente estejamos abertos aos sinais dos tempos. O mundo
e a sociedade querem também nos dizer alguma coisa e nós devemos estar abertos
a esses sinais, aquilo que de certo modo reflete os anseios e as expectativas
da sociedade.
G1: O sr. já sabe em quem vai votar?
Dom Raymundo: Todo cardeal deve ter nomes que vêm à sua
mente. Mas eu não diria que esses nomes que vêm à mente neste momento,
antes do conclave, permitem que você tenha uma visão clara a respeito do nome
que será apoiado ou acolhido no conclave. Esses nomes ajudam e a gente vai
percebendo durante o processo do próprio conclave se os nomes que temos em
mente são, de fato, os mais adequados para serem Papa nos tempos atuais.
G1: Diante dos desafios atuais da Igreja, qual o
perfil que o futuro Papa deve ter?
Dom Raymundo: O Papa deve ser, sobretudo, um pastor, ser
aquele que preside a Igreja na caridade, que é o sinal visível da unidade da fé
da Igreja. É importante, claro, que ele tenha seus conhecimentos teológicos,
uma experiência pastoral e uma vivência espiritual. Responde ao perfil esperado
de um candidato a Papa alguém que acompanhou a caminhada na Igreja, além de ser
uma pessoa capaz de diálogo. Hoje não podemos trabalhar sozinhos, o Papa é o
líder da igreja, mas ele também conta com apoios para governar essa Igreja.
G1: Na sua opinião, o próximo Papa tem que ser mais
jovem?
Dom Raymundo: Não necessariamente. A idade pesa na decisão
dos cardeais pelo novo Papa, mas nós estamos vivendo em um mundo muito
diferente, hoje todo mundo sabe pelas estatísticas que as pessoas estão vivendo
muito mais, então você tem pessoas por volta dos 70 anos com muito vigor. Mas
evidentemente que se você tem um cardeal que sobre o qual realmente a idade
está pesando, não tem mais aquele vigor físico, de ânimo, não vamos eleger um
Papa nessas condições porque seria quase que preparar-se para um novo conclave
daqui um ou dois anos.
G1: O sr. gostaria de ver um Papa mais carismático?
Dom Raymundo: Cada pessoa tem suas qualidades naturais,
seus dotes, seus talentos e tudo isso ajuda no exercício do ministério do Papa,
mas a própria missão do Papa se reveste num carisma muito especial e nós
estamos vendo isso. Depois do Papa João Paulo 2º, como muitos dizem, era um Papa
carismático, veio o Papa Bento 16, um Papa um pouco mais tímido por
personalidade, mas que foi despertando aos poucos o amor e carinho da Igreja.
Ao assumir a função do bispo de Roma, o Papa é revestido de um carisma próprio
desta função de ser o sucessor de Pedro.
G1: O sr. acha que existe chance de ser eleito um Papa
da América Latina ou africano, quem sabe até um brasileiro? Existe abertura
para essa escolha?
Dom Raymundo: Chance existe, claro, sem dúvida nenhuma. Nós
(cardeais) não vamos para o conclave fechados em um nome, qualquer cardeal que
participa do colégio eleitoral pode ser eleito. Não importa sua raça, sua cor,
mas seu perfil de pastor, sua experiência pastoral ao longo de sua vida, aquilo
que ele realmente fez até agora nas funções em que exerceu para a Igreja e para
o mundo. Agora, se vier um bispo da América Latina, do Brasil, vamos ficar
muitos felizes, mas não sabemos se será um brasileiro.
G1: O Papa Bento 16, quando renunciou, mencionou as
divisões que existem na Igreja. Isso vai pesar no conclave? Que divisões são
essas?
Dom Raymundo: É uma impressão, mas percebemos que as
mensagens do Papa são bastante breves, mas nas entrelinhas ele chama a atenção
para alguns problemas da Igreja. O Papa está chamando a atenção para a comunhão
da Igreja, provavelmente ele está percebendo, quem sabe, muitos sinais que
atingem a comunhão da Igreja. Ele questiona: 'como é que eu estou realizando a
minha missão dentro da igreja?', 'como membro deste corpo que deve estar a
serviço do bem?, 'será que eu estou procurando meu próprio interesse?', 'será
que eu estou querendo usar a minha função para dominar o outro ou para subir a
lugares maiores, acima do meu?'. Com a renúncia, ele (Papa) está nos dando o
exemplo, nos fazendo refletir, mostrando que cargo na Igreja é passageiro. Há
um sinal profético para a Igreja no gesto da renúncia do Papa Bento 16.
G1: O sr. pensa que poderá se tornar Papa? Passa isso
pela sua cabeça?
Dom Raymundo: A gente tenta afugentar esse pensamento. A
função da Igreja é de serviço, nós não nos candidatamos, nós recebemos e
aceitamos uma missão que nos é dada por Deus por meio do conclave. Ninguém está
preparado para a missão, então a gente se sente um pouco receoso diante de um
chamado desse.
G1: O sr. acha que o conclave será realizado
rapidamente, poderá ser adiantado ou é preciso atender a prazos?
Dom Raymundo: Eu creio que não terá um prazo longo, mas não
posso dizer isso de uma forma oficial. Os cardeais, estando todos em Roma no
dia 28, sobretudo os que vão votar, creio que não há razão para adiar.
Primeiro, por conta das licenças para ir até Roma, quem mora na África, na
América ou Oceania percorre distâncias longas para ir a Roma e retornar aos
seus lugares. Para voltar novamente a Roma (para o conclave) seria um desgaste
grande. Creio que os cardeais vão pedir ao presidente do conclave que o
convoque o mais breve possível.
G1: Pelo fato de estar vivo, o Papa Bento 16 pode ter
alguma influência na escolha do seu sucessor?
Dom Raymundo: No conclave certamente não exercerá nenhuma
influência sobre a eleição, ele não vai participar. Nos seus pronunciamentos
atuais, acerca de suas palavras, de seus discursos, não vejo nenhum sinal
claro, nenhum gesto que possa significar que o Papa queira influenciar na
escolha do seu sucessor.
G1: O sr. conversou com os demais cardeais brasileiros
a respeito da escolha?
Dom Raymundo: Não conversamos. Agora que estaremos indo
para Roma; é lá que vamos nos encontrar a partir do dia 25. Teremos essa
oportunidade sem dúvida nenhuma em Roma.
G1: Esse conclave pode ser mais rápido que o anterior,
que elegeu o Papa Bento 16, em função da circunstância de renúncia, o que
permite mais tempo para os cardeais analisarem o nome do sucessor?
Dom Raymundo: É muito difícil de fazer esse tipo de previsão,
mas me parece que será um conclave que demorará um pouco mais que o anterior.
Essa é minha impressão, porque o nome do cardeal Ratzinger estava muito em
evidência na época de sua eleição e era um cardeal próximo a João Paulo 2º,
conhecido como grande teólogo, então tudo convergia de certa forma para a
eleição dele. Por isso um consenso se estabeleceu mais rapidamente em torno de
seu nome. Desta vez não há nenhum nome mais forte, então a expectativa é que
demorará um pouco mais.
G1: Os católicos, sobretudo os europeus, estão
preparados para um Papa de fora do continente?
Dom Raymundo: Creio que sim. Para nós católicos, o Papa é o
Papa. Então, como certa vez alguém me disse numa ocasião de eleição de um Papa,
'esse não era o meu candidato', mas após a eleição ele passa a ser o meu Papa,
creio que essa seja a posição da maioria dos católicos.
Fonte: site Arquidiocese de Campinas
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