Uma vez redentorista, sempre redentorista!
018 – Apelido I - Jão Jaó
O eutrapélico Vianney, meu primo, nunca falou um palavrão - mesmo depois de um tropicão! Brincalhão, chistoso, tinha o hábito de colocar apelidos nas pessoas... nos meninos, então!... E como sabia!... Era um craque! Apelidos nunca jocosos e nem humilhantes... Sempre carinhosos, mas pegavam!... Encaixavam como uma luva!
A questão de apelidos, muitas vezes, transcende a vontade e o gosto de cada um.
Tive muitos apelidos e nenhum pegou. Há pessoas em quem quaisquer apelidos pegam; em outras, apenas um, e somente um; pega e pega bem e, muitas vezes, faz até esquecer os próprios nomes - tem a cara e veste justo o apelidado.
Muitos políticos investem tanto no apelido que o tomam como nome próprio - Lula que o diga e outros mais. Já outros ficam uma fera quando são chamados ou gozados por seus apelidos.
Na minha família, e em muitas outras, praticamente não há apelidos - apenas, às vezes, diminutivos amorosos.
Antigamente havia mais pessoas com apelidos - era muito comum. Hoje carecemos de tempo para jogarmos uma piadinha, um chiste, brincar, dar atenção a nossos amigos e familiares – infelizmente!
Sô João era o barbeiro mais barateiro do Calado e continuou a sê-lo mesmo após de o Calado passar a Coronel Fabriciano, MG. Mamãe, com muitos filhos, pesquisadora de preços, devia e necessitava, sabia disso, mandava os meninos cortar os cabelos com o Sô João - o Sô João Barbeiro. Lá ia eu, à Rua Seca, longe donde morava, apesar de, às vezes, o Sô João deixar alguns caminhos de ratos na cabeça da gente - mas era barato. Gostava muito de minha família e me tratava bem -tinha admiração por meu pai, o Sô Zé Franco.
João Barbeiro, homem de moral rigidíssima, andava sempre com camisas de mangas compridas, colarinho fechado, com o último, ou primeiro, botão de cima abotoado, assim como sua senhora e as filhas -fizesse ou não o calor escaldante de Fabriciano.
- Nunca vi nem os braços nus de minha senhora!- orgulhava-se, faiscando os olhos, como se fosse a maior das virtudes. Eu, criança, perguntava-me a mim mesmo, para que servia ver ou não ver o braço nu de alguém, ainda mais da humilde senhora - nenhum modelo de beleza.
O problema do João era o apelido: "Jão Jaó". A ignorância encharcando-lhe o coração e a alma de sua mineiridade interiorana, virava uma fera quando os meninos de rua passavam e gritavam: "Jão Jaóooo!"; quando isso acontecia ele tremia todo, bufava, avermelhava, arrepiava até os cabelos dos braços - os da cabeça tornavam-se mais perpendiculares do que já eram - e, parecia, inchava ou inflava, de tão nervoso; perdia as estribeiras, ia até à porta, olhava e gesticulava para os lados da rua, e começava, apesar de moral rígida, a gritar e xingar palavrões de todos os calibres.
Quando a Usiminas começou a ser instalada, a rua em que o Sô João morava tomou um impulso desenvolvimentista tremendamente grande, e os imóveis se valorizaram demasiado. O movimento de gente e de carros tornou-se intenso e intenso foi o número de pessoas que passavam e gritavam: "Jão, Jaóooo! Jão, Jaóooo!". Os alunos das escolas e a molecada da vizinhança nem se falam!
A coisa tornou-se tão feia que o Sô João resolveu mudar-se. Vendeu a casa por preço irrisório e foi para Belo Horizonte, onde comprou uma casinha em um bairro afastado. Colocou a pequena barbearia em um dos cômodos e se tranquilizou - ficou na sua, apesar de seu jeitão e modos da roça.
Tranqüilo?...
Um belo, ou um nefasto dia, passou um rapaz, no meio de uma grande turma jovens do bairro, e gritou: "Jão, Jaóooo!". Em seguida, um uníssono de toda a rapaziada: "Jão, Jaóooo! Jão, Jaóooo!" - O suficiente para a garotada ouvir e aprender e colocar em prática o famigerado apelido. Isto tomou tal pé, que o Sô João não aguentou por muito tempo; vendeu a casinha novamente por preço irrisório - mudou-se para Itabira.
Comenta-se que, em Itabira, o Sô João comprou um pequeno barracão no subúrbio - agora, no interior novamente, tranquilidade total! Total?... Demorou pouco, pois num tenebroso dia apareceu um gaiato e gritou, para todo mundo da redondeza escutar e aprender:
- "Jão, Jaóooo! Jão, Jaóooo!"
... Sô João teve infarto fulminante...
NB: Este conto foi escrito como uma homenagem ao querido primo Vianney e a meu barbeiro de infância, o Sô João.
Ave Maria
Benedito Franco
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