Uma vez redentorista, sempre redentorista!
Para Voltaire, não importava o tamanho de um monarca, deveria, antes de punir um servo, passar por todos os processos legais, e só então executar a pena, se assim consentido por lei. Se um príncipe simplesmente punisse e regesse de acordo com o seu bem-estar, seria apenas mais um "salteador de estrada ao qual se chama de 'Sua Majestade'".
014 - Autoridade e violência
Fabriciano, MG, nem Fabriciano era... era o Calado – até que era, mas todo mundo ainda falava Calado. No Calado havia uma pequena cadeia, com dois soldados e o chefe, o Cabo Arimateu.
A cadeia, com uma pequena sala de entrada, quase um pequeno corredor, uma minúscula cela, de uns seis metros quadrados e um cômodo menor ainda: a Sala doDelegado. Nem latrina tinha... aliás tinha: um quintal – um corredor a céu aberto, que servia de latrina: um beco de uns setenta centímetros de largura por cinco metros de comprimento. Nem água e nem luz. Com tanto nem, deu para perceber a pobreza do lugar...
Quando menino, ouvia-se dizer que, pela lei, qualquer cidadão, que praticasse algo errado, poderia ser preso não só por policiais, as únicas autoridades do lugar, mas por qualquer outro cidadão - papai confirmou-me.
Naquela manhã, o lugarejo agitava-se como nunca. Uma desavença aqui, uma briguinha ali, uma briga acolá e um tumulto no final da rua.
O Cabo Arimateu alerta. Conversava pouco, e com poucos; famoso por sua violência com os presos. Ao prendê-los, mesmo na rua, quando levados para a cadeia, dava-lhes uns tapas e pescoções. Envergonhados, e temendo mais represálias dentro da cadeia, os presos comportavam-se como cordeiros acorrentados.
No dia anterior, houve uma partida de futebol. O jogo fora terrível e a briga empatada: 4 x 4 - quatro mortos para cada lado - morreram oito! Verdade. Em Figueira, hoje Governador Valadares, seria bem pior: morreriam oito de cada lado!
Eu bem pequeno, com uns seis ou sete anos, encontrava-me dentro do balcão da loja, quando vejo grande movimento na rua e um tremendo barulhão. Pessoas, com gritos de medo e pavor, corriam em uma direção, fugindo de algo. O pessoal passava, e passaram alguns segundos, quando vi vir rumo à loja dois caras correndo. O de trás com uma faca numa das mãos. O perseguido entrou na loja e o perseguidor, furioso, atrás. O pobre coitado, sem opção de fuga, no embalo, saltou por sobre o balcão, mas foi pego na barriga, ainda no ar, pela peixeira do cabra da peste.
Eu dentro da loja, ainda deu para ver as tripas do agredido saindo e ele cair a meu lado - entre o balcão e a prateleira.
A balbúrdia aumentada pelo grito de dor do ferido. Estupefato e apavorado, escondi-me no canto debaixo do balcão.
De repente, chegou papai que se encontrava no interior da loja e, ao mesmo tempo, o Cabo Arimateu que foi logo pegando e empurrando o agressor contra as paredes e portas, deixando-o mole. Outros, com papai, socorreram o ferido - resistiu por pouco tempo.
O Cabo foi com o preso em direção à Delegacia, agredindo-o com chutes, pescoções e cacetadas. Quando o pobre e infeliz sujeito não agüentava mais andar, com um tremendo palavrão, ainda na rua, o Cabo deu-lhe dois tiros pelas costas.
Mais tarde, o Cabo começou a andar, exatamente no meio da rua, todo posudo, com dois revolveres na cintura. O povo, com medo, disfarçava, passava o mais longe possível, ou se escondia.
No dia seguinte bem cedo, quando se abriam as lojas, apareceu o Cabo com a cabeça erguida e os dois revolveres. Deu esbarrões em quem passava por ele e afirmou que acabaria com a bagunça na vila. Essa apresentação de otoridade e valentia durou umas duas horas.
Papai ainda jovem, consideravam-no um conciliador e um conselheiro do lugarejo. Algumas pessoas indagaram de papai como agir. Se deveriam, e como, comunicar às autoridades de Antônio Dias, a sede do Município - o Calado nem Distrito era, era apenas uma Vila.
Papai, um cidadão comum, diante da apreensão de todos, resolveu agir. Quando o Cabo Arimateu passou em frente à loja, foi a seu encontro:
- Esteja preso! Vá na minha frente, até a cadeia. Vou lhe prender!
O Cabo tremeu nas bases, estatelou-se, perdeu a cor - obedeceu.
O povo veio atrás boquiaberto. Chegando à cadeia, papai lhe ordenou:
- Cabo, pega a chave, abre a cela, entra, tranca a porta e me dá a chave!
Os covardes obedecem...
Benedito Franco
Ave Maria!
"Não concordo com nem uma das palavras que me diz, mas lutarei até com minha vida se preciso for, para que tenhas o direito de dizê-las".
“Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo”. Voltaire
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar. Sua participação é muito importante para nós. Deixe seu e-mail para podermos lhe contatar.