Uma vez redentorista, sempre redentorista!
Acho que ela e papai, lá de cima, olham e oram por todos nós, pois toda sua - nossa! – Família vai muito bem obrigado!
163 - Dotes da mamãe
Com seu fogão a lenha, onde por cima invariavelmente havia um varal com carne, lingüiça, toucinho magro ou pele de porco dependurados. O varal no meio da fumaça servia para conservá-los, substituindo a geladeira inexistente.
No fogão fazia-se o doce de leite que dava um trabalhão danado, inclusive para mim que tinha de mexê-lo com uma colher de pau, sofrendo um tremendo calor do fogão, da lenha que pegava fogo, das brasas e do próprio clima de Fabriciano - não falando da fumaça sufocante de tudo isso. Até terminar o doce, dar o ponto, não podia parar de mexer, pois ele azedaria vindo a coalhar, diminuindo sua qualidade. Poderia ser doce seco cortado em cubos, losangos ou doce pastoso.
Como em casa havia alguns pés de coco da Bahia, era comum mamãe aproveitar os cocos para a cocada - seca, em calda ou pastosa. O coco era apanhado, descascado e numa gamela tirava-se sua "pele" externa e ralado naqueles ralos feitos de lata furada com pregos - mas, funcionavam e bem. Mamãe tirava a fibra do coco com uma tremenda facilidade, usando uma enxada – eu nunca conseguia, por mais força que fizesse. Na loja de papai vendia-se muito sal grosso, vindos em sacos de 60 kg, para uso na cozinha e para o gado. Mamãe lavava esses sacos e aproveitava a água com sal para jogar nos pés de coco – dizia-se que o sal era ótimo para o crescimento e para a boa qualidade dos frutos.
Doce de cidra, de laranja, em calda ou secos, ou de mamão eram bem comuns. O de mamão poderia ser o de espelho, o ralado ou, quando os mamãos eram bem pequenos, inteiros e em calda. Até o miolo do caule do pé de mamão servia para doce.
Para mim o doce mais gostoso era o de mamão inteiro com doce de leite. A receita é simples:
- Preparava-se bastante doce de leite pastoso.
- Arrumava-se mamão verde inteiro e bem pequeno – muitas vezes aproveitavam-se os pequenos mamãos de pés que eram cortados ou morriam. Perto do talo, e com ele, cortava-se uma rodela para tirar as sementes. Essa rodela serviria de tampa, recolocada e segurada com um palito.
- Com esses mamãos preparava-se o doce em calda normalmente.
- Depois de frio, tirava-se a tampa e enchia-o com doce de leite, tampava-o, mergulhando-o depois no doce de leite pastoso.
- Guarda-se por uns quinze ou trinta dias, até o doce de leite entranhar no mamão.
Em casa havia sempre uma boa horta e que eu detestava aguar.
A cinza que sobrava da queima da lenha era jogada em redor das plantas ou então em cima da uma lata furada colocada sobre pedras, como se fosse um fogão improvisado, dentro do qual se colocava uma lata que servia para aparar o caldo marrom que saia da cinza. Sobre ela jogava-se um pouco de água algumas vezes por dia. Usava-se esse caldo cáustico, mais o sebo, para fabricar o sabão de burraio, para lavar roupas, raras vezes para tomar banho e até mesmo vender na loja do papai. De quando em vez fazia também um sabonete branco e que dava pouca espuma.
Aos domingos e dias de festa esperávamos a macarronada, comida chique, temperada com molho de tomate - mamãe nunca gostou de usar massa de tomate que vinha em latinha - azeitona e queijo parmesão, ralado em casa, vindo da loja de papai. Na loja vendia-se o queijo parmesão comprado inteiro e vendido aos pedaços e que dava uma surra em mim para parti-lo e vendê-lo no peso de algumas gramas para cada cliente - era caríssimo e o poder aquisitivo do povo era bem pequeno.
Mamãe aprendeu a fazer requeijão. Depois começou a incrementá-lo com mais coisas além do leite e um de seus ingredientes a mais era a maizena - quase um pudim branco com gosto de requeijão. José Maurício e eu saíamos às ruas para poder vendê-lo em pedaços.
Na Páscoa mamãe preparava a farinha de amendoim - a paçoca de hoje. O amendoim era torrado em panela de ferro no fogão a lenha e depois socado num enorme pilão de madeira, com um pouco de açúcar, canela e um pouco de farinha torrada de fubá; depois de socada, a mistura era peneirada, em peneira de taquara. Essa farinha de amendoim era uma das delícias preparadas pela mamãe e que eu mais gostava, além da farinha de milho torrada (fubá torrado).
Mamãe fazia o cuscuz seco e depois que começou a ir à Bahia para ver a Imaculada, a filha que morava lá, começou a fazer o delicioso cuscuz baiano.
Na Bahia aprendeu também o preparo do acarajé - dava um tremendo trabalho para descascar o feijão e o azeite de dendê era difícil de ser encontrado em Fabriciano. Na mesma época inventou de fazer o doce de feijão, mas não foi do agrado de todos, o que a levou a não fazer mais.
Bolo comum ou bolo de fubá, aproveitando o leite azedo, e até mesmo pastel, assim como bolo comprado na padaria do Sô Nonô de Piracicaba, eram vendidos em pedaços por mim e o José Maurício - a Chica às vezes também vendia. Devido ao calor de Fabriciano, e por não possuir geladeira, era muito comum o leite azedar; mamãe aproveitava-o também para uma deliciosa coalhada – muito pouco comum em Lafaiete.
As últimas e ótimas invenções da mamãe foram os deliciosos pães de batata, um tremendo trabalho para fazê-los, e o panetone, que eu não aprecio.
De quando em vez papai comprava porco para matá-lo em casa, pois na loja vendia a carne, a banha e o toucinho. O toucinho e a banha eram fritos em tachos de cobre ou enormes panelas. A barrigada era para uso em casa e com as tripas preparava-se a linguiça. Sempre havia um chiqueiro no quintal, onde colocavam-se alguns porcos e, às vezes, porcas que, muitas vezes pariam uma quantidade imensa de porquinhos - nós crianças adorávamos ver a porca dando de mamar aos filhotes numa sujeira só.
Quando ela conseguia uma barrigada de boi era um deus nos acuda de tanto trabalho – lembro-me dela suando a bicas para aproveitá-la ao máximo – que calor naquele ambiente o dia inteiro! Ela era muito forte, tenham certeza!...
Mamãe ajudava a gente a fazer as tarefas da escola. Lembro-me dela desenhando algo em um cartaz que Deuzinha deveria apresentar na escola, colocando umas letras grandes e tremidas. Essas mesmas letras grandes e tremidas eu desenhava para meus colegas no Seminário, por ocasião do Natal, quando os alunos enviavam as mensagens natalinas para as suas Famílias; na época era um sucesso e achavam o máximo, mas hoje seriam meio cafonas – nesse assunto, às crianças tudo é permitido.
Fico pensando como mamãe conseguia agradar a tantos, quando ela se sentava no meio dos filhos e descascava laranjas, mexericas ou cana para todos – não me lembro de alguém reclamar... Sabia repartir conforme a necessidade, o interesse e o gosto de cada filho...
Ave Maria!
Benedito Franco
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar. Sua participação é muito importante para nós. Deixe seu e-mail para podermos lhe contatar.