007 - Acesita
Lembranças de criança
Fabriciano, lugarejo distrito da cidade de Antônio Dias, MG, tornou-se movimentado, com gente chegando de todos os lados: fundou-se a Acesita.
Com pagamentos anos depois, foram compradas algumas fazendas, entre elas a do Sr. Raymundo Alves - Fazenda Dona Angelina - cuja sede depois virou o primeiro hotel, e a do Sr. Heitor, meu sogro, em cuja casa, mais tarde, foi morar o engenheiro chefe, o Dr. Alderico. A primeira englobava os hoje bairros centrais, Usina e Funcionários, a segunda pelos lados da Olaria. Conta-se que várias delas foram invadidas - reclamar para quem, se hoje as multinacionais fazem o que querem e fica por isso mesmo! Imagine naquele tempo, quando imperava o ex-ditador Vargas!... Seria pior?... Sei lá!... Hoje imperam os EEUU (até nos cabelos ridículos dos jovens pouco ou nada politizados...).
Os chefes, e quase todo o pessoal, no início, hospedavam-se, em Coronel Fabriciano, na pensão do Sô Armando e da mulher, a Baiana – “Eta muié trabaiadera!”, bradava o povo. Também ficavam no Hotel da Dona Raquel e Sô Zé Cornélio, ajudados pela filha Mirú, o filho Antonio e a esposa Tereza - uma pensão mais elegante! Quando leio livros ou vejo filme sobre os desbravadores, lembro-me do pessoal recém-chegado, roupas de brim cáqui, com os chapéus de palhinha tipo safári - os ingleses também usavam-nos, trabalhando na Vitória Minas (Vale do Rio Doce).
Pouco antes de a Acesita ser implantada, Fabriciano chamava-se Calado. Um local perto, mais a leste, tinha o nome de Caladinho, onde hoje se localiza a Unileste. Caladão está no meio das lindas serras que formam um paredão ao norte da cidade, depois do bairro Melo Viana - Melo Viana, nome de um governador de Minas, é mais antigo que Fabriciano. As serras do Caladão, vistas de Fabriciano, parecem intransponíveis: pedras nuas, altas e belas, quase pontiagudas apontando para o céu, de um azul escuro ou prateado, uma paisagem divina - há pouco que passei a observar e a admirar essas enormes pedras. Fabriciano está 250 m acima do nível do mar, mas a altitude chega a 1.260 m nas serras do Caladão.
Ingleses vieram para a construção da Vitória Minas, estrada de ferro que desbravou de Vitória a Itabira, seguindo e serpenteando ao lado do Rio Doce e, de Ipatinga para cima, do Rio Piracicaba, indo atrás do minério de ferro da região- enfrentando a malária, o tifo, a febre amarela, o barbeiro, a verminose e todo tipo de doença tropical. Papai mais de uma vez me relatou que um rapaz do Caladão, seu afilhado, quando os ingleses se foram, levaram-no para trabalhar em um trecho da Transiberiana. O rapaz, terminado o contrato dos ingleses, por lá ficou como maquinista, até sua aposentadoria na Sibéria, quando então voltou. O governo russo enviava para ele, religiosamente e mensalmente, o dinheiro da pensão.
De quando em quando papai levava-nos ao centro de Acesita. Para atravessar o Rio Piracicaba, com o leito profundo e altos barrancos laterais, decíamos depois do Pinga, pegávamos um bote ou uma canoa e após a íngreme subida, passávamos por árvores desnudas e escassas, na planície onde está assentada a usina -antes u’a mata fechada com árvores centenárias ou até mesmo milenárias. Iniciava-se uma grande praça no centro, em frente à sede da fazenda do Sr. Raymundo Alves, onde bem perto passa o córrego que vem do oeste, pelos lados do Pico Ana Moura – em cima do qual hoje se assentam as antenas de TVs e Telefônicas da região.
Os pioneiros de Acesita trouxeram um caminhão Chevrolet 1944, o de gradinha na frente, parece-me que era verde folha e com a grade amarela. Também uma baratinha, ou perua, muito bonita, quase toda de madeira envernizada, caberia de oito a dez passageiros - ainda me recordo do chefão dentro dela, o Dr. Alderico. A oficina e a garagem no terreiro da casa do Tio Totonho, ao lado de um lote vago, hoje ocupado pela casa do Sr. Zé Avelino e o hotel, na Rua Cel. Silvino Pereira - o Coronel ainda vivia. A baratinha levava o pessoal para os trabalhos na Acesita.
Achei muito estranho atravessar o Rio Piracicaba longe, depois da fazenda do Sô Domingos, onde instalaram uma balsa e onde mais tarde fizeram uma ponte. O Sô Domingos, português, o primeiro morador de Fabriciano.
Sr. Militão, chefe da segurança. O Sr. Mundico, gerente do armazém com enorme movimento. O Sr. Gallo montou a farmácia. Construíram também uma igreja no centro - acho que o Padre Abdala apareceu junto e está lá até hoje. Ao lado, um hospital, cuja diretora era a Tia Vivi, e perto, a Agência dos Correios, comandada por Tia Zelica - seu marido Davi era o alfaiate dos bacanas.
Enquanto a Acesita pertenceu ao município de Coronel Fabriciano era ela isenta de impostos municipais - isenção dada pelos vereadores, exceção feita ao Dôca Pires, mais tarde prefeito da cidade. Quando acabou essa regalia, a Acesita se esforçou para o desmembramento do Município, tornando-se três: Timóteo, Ipatinga e Fabriciano. Com isso ganhou da nova Prefeitura de Timóteo mais isenção de anos e anos a fio – essa Prefeitura é um balaio de gato até hoje!
Papai tinha um compadre - morava lá pelos lados da Cachoeira Escura. Uma enchente no Rio Doce arrastou e arrasou sua casa, matando oito dos catorze filhos.
Mais ou menos em 1947, uma tromba d'água fez grandes estragos pelas bandas do Pico do Ana Moura e no leito do ribeirão vindo de lá e que passa no centro de Acesita. Menino, fui pra ver e fiquei impressionado com o que a força da água provocou.
A tromba d'água arrasou a casa e morreram os seis filhos restantes do compadre de papai - mudou-se para lá com a família havia pouco tempo. Apareceu em casa de meu pai solicitando ajuda:
- Pois não, compadre, pode vir morar nesse barraco aqui em frente.
- Cumpade, vô só pegá o que me restou: a muié e as pouca vazia.
No mesmo dia o compadre se apossou do barraco e do terreno - corresponderia aos quatro lotes em frente à nossa casa, praticamente na rua principal de Fabriciano. Papai, contra a vontade de mamãe, acabou doando o barraco e o terreno para o compadre.
Assim era meu pai.
Benedito Franco
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