Fr. Fagner Dalbem Mapa, C.Ss.R.
fagnercssr@gmail.com
Fráter Redentorista, graduado em Filosofia, estudante de Teologia, escreve no Blog Sabor da Fé.
Segundo José Maria Castilho, vivemos hoje um tempo de mudança desconcertante. As duas grandes instituições transmissoras de crenças e valores – a religião e a família – têm sido atacadas. Assusta-nos a decomposição da família. O sentido para vida não está mais nessas duas instituições, mas cada vez mais na relação pessoal:
“O que dá sentido à vida das pessoas não é a instituição a que cada qual está vinculada, mas as pessoas com as quais relaciona. Assim sendo, para buscar um sentido para a vida, o fator determinante é cada dia menos a relação institucional (religiosa, familiar...). E é cada dia mais a relação baseada na ‘comunicação emocional’, em que as recompensas derivadas dela são a base primordial para que tal comunicação se mantenha”[1]
Esse tipo de relação é chamada de “relação pura”. Por isso, o casamento está em crise. A moda agora é ter uma parceira ou um parceiro. O casamento é institucional e uma parceira ou parceiro são do âmbito da relação pessoal. O mesmo fenômeno acontece com a religião: Até agora a religião era vivida como pertença a uma instituição. Mas na atualidade as pessoas estão buscando viver suas crenças de forma “livre”, desligadas de qualquer forma de compromisso.[2]
É natural nos colocarmos contra a tais mudanças, principalmente se fomos criados nesta “cultura institucional”. Faz-nos sentir desamparados, pois estão tirando as “colunas” que sustentaram nossas vidas até hoje. Vê-las sendo substituídas por uma forma de organização, que a primeira vista parece inconsistente, é para nós muito estranho e difícil de assimilar.
Castilho, portanto, desperta em nossa memória que Jesus também foi crítico a essas duas formas de instituições. Cristo teve muitos conflitos com dirigentes religiosos, foi levado à cruz justamente por criticar este sistema. Fez-se também muito crítico à instituição familiar, que era regida pelo sistema patriarcal. As instituições costumam basear suas relações no cumprimento de normas e Jesus pregou justamente contra esse sistema de normas que sufocava o homem. Podemos dizer que ele pregou a relação pura, que exige mais clareza, sinceridade, doação, ternura.[3]
Como cristãos, seguimos os passos de Jesus. Não quer dizer que vamos nos colocar contra a Igreja ou contra a família, até porque Jesus não fez isso. Suas críticas eram contra o aprisionamento do ser humano, contra aquilo que nas instituições tirava a liberdade, reduzia a vida à prática de normas. Uma forma superficial e “mascarada” de relacionar-se com Deus e com os Irmãos. Os seres humanos mais representam do que se dão a conhecer. Não por malícia, mas porque não conhecem-se a si mesmos. É em Jesus Cristo que podemos conhecer algo sobre Deus e sobre nós. É em Cristo que o ethos humano encontra sua plenitude. Seu olhar rasga as máscaras. Ele vê a realidade mais amplamente, por isso seus planos para o Reino trazem consigo uma reviravolta que bate de frente com os projetos de grupos religiosos e políticos. Ele se distância dos projetos vigentes. É preciso então fazer uma triagem diante dos desafios na sociedade. Ao separar o joio do trigo, precisamos ter como inspiração o Evangelho.[4] E assim, tentar perceber a “ótica” de Jesus, os motivos e o verdadeiro alvo de suas críticas. É o que vamos tentar fazer agora:
Jesus trouxe uma ética de mudança, principalmente no modo de agir daqueles que pretendem segui-lo. Essas mudanças tinham em vista a felicidade de todos. As pessoas achavam seu ensinamento diferente, pois ele dizia o que precisavam ouvir. E dizia de forma livre e criativa, o que levava as pessoas a sentirem a autoridade de Jesus, pois não somente repetia normas. Além disso, não ensinava impondo e submetendo (com potestade), mas persuadindo, usando argumentos que convenciam (com autoridade).[5]
O modo de agir pelo Reino é viver o modo de amar de Jesus, é assim que o Reino acontece. Esse amor é gratuito e incondicional. O amor divino libera o homem das amarras do pecado para que ele possa amar. É um amor que se destina aos diminuídos em sua dignidade. “Nesse sentido, os pobres são os protagonistas do Reino porque são privilegiados pelo amor de Deus.”[6] Vimos que mesmo o Reino sendo um dom, não significa que não precisamos lutar por ele. É um Reino que deve ser acolhido construtivamente, temos que agir (Lc 6,37-38;Mt5,22;Lc19,12-27;Mt25,1-13.31-46;18,23-25). O Reino é o horizonte de compreensão da ética de Jesus.[7]
Jesus não veio trazer novas normas, mas um novo jeito, uma capacitação das potencialidades do agir humano. O Reino é o princípio estruturador, é o centro da moral de Jesus. Os destinatários do Reino são os pobres, eles são o centro de sua atuação. (Lc 4,18-19). O Reino de Deus se realiza nas bem-aventuranças, portanto, aquele que assume a proposta do Reino deve ter como preferência do seu amor os pobres, famintos e aflitos. A ética de Jesus é a justiça do Reino, que não é instaurada com braveza e violência, mas pela humildade de coração.[8]
A instituição deve ser criticada naquilo que ela se opõe ao Reino de Jesus, naquilo que ela se opõe na justiça do Reino. Por isso é lícito fazer críticas. Assim como a de Jesus, nossa ética deve ser crítica a certas estruturas que aprisionam. Mas é preciso ter cuidado com o trigo na hora de arrancar o joio. Além disso, não basta criticar, é necessário construir, oferecer algo que substitua o que está sendo criticado. Jesus, por exemplo, ofereceu-nos o evangelho. As críticas são necessárias, a crise que vivemos também o é. Ela nos sacode, nos desperta e nos ajuda a abandonar nossas máscaras.[9]
[1] CASTILHO, José Maria. A ética de Cristo. São Paulo: Loyola, 2010. p. 21
[2] cf. CASTILHO, A ética de Cristo, p. 21-22
[3] cf. CASTILHO, A ética de Cristo, p. 22-23
[4] cf. CNBB. A teologia moral em meio a evoluções históricas. (subsídios doutrinais) p.16-21
[5] cf. CASTILHO, A ética de Cristo, p. 17-18
[6] JUNGES, José Roque. Evento Cristo e Ação humana. São Leopoldo – Rs: Unisinos, 2001. p.97
[7] cf. JUNGES, Evento Cristo e Ação Humana, p. 96-99
[8] cf. JUNGES, Evento Cristo e Ação Humana, p. 100-104
[9] cf. CASTILHO, A ética de Cristo, p. 23-24
NR- Texto extraído do site da Província do Rio

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