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| ALEXANDRE DUMAS PASIN DE MENEZES |
Já tive a oportunidade de falar aqui de meu irmão Orlando que morreu em 06/11 do ano passado, na oportunidade, publiquei um pequeno poema seu "Os sinos de minha terra". Orlando foi seminarista dos padres capuchinhos e, como eu, também deixou o seminário. No entanto, tivemos a nossa irmã mais velha, a Ditinha, que, com quinze anos, ingressou na Ordem das irmãs vicentinas e lá permaneceu por quase 70 anos. Ditinha era conhecida pelo nome de Irmã Godoliva, cumpriu sua missão em Mato Grosso, trabalhou entre os índios, foi professora e missionária, teve contato com os redentoristas da província de Campo Grande por quem era muito respeitada. Poderia aqui me estender contando histórias de sua vida religiosa, mas somente vou me ater a uma vivida e relatada pelo Orlando, quando da comemoração de 50 anos da entrada dela no convento :
O JUBILEU E A SERENATA
Minha irmã Ditinha (Irmã Godoliva) é freira vicentina. Irmã de caridade, prestava serviços em Mato Grosso, precisamente em Bela Vista. A 06 de julho de 1991 iria comemorar o seu jubileu de vida religiosa. Há 50 anos, deixava Aparecida e ingressava na Congregação de São Vicente. As comemorações seriam inicialmente em Bela Vista, sua paroquia e, posteriormente, em Aparecida, sua terra natal.
Um grupo de parentes nos propusemos estar em Mato Grosso do Sul. Não mais que uma dezena. Ônibus de carreira, viagem longa e pitoresca. Um dia de estrada.Após recepcionados pela comunidade vicentina, na casa religiosa, retiramo-nos para um hotel. Hotel moderno e confortável para aquelas paragens.
Tarde da noite, sentindo-me insone, fui ao encontro de uma música bem característica que me parecia próxima. No térreo, deparei com um bar, onde duas harpas e um violão tocavam músicas da região. Um brasileiro, com ares de chefia, ditava normas, parecia o empresário. Depois, fiquei sabendo que era um dos proprietários do hotel e pessoa de destaque na cidade. Chamá-lo-ei de "empresário".
Sem constrangimento, aproximei-me. Procurando mostrar simpatia, acenava com a cabeça sorrindo espontaneamente, como que cismando ante aos acontecimentos. O tempo ia passando e eu já parecia fazer parte do grupo.
Repentinamente, dirigi-me ao empresário apontando os músicos.
- São profissionais ? Perguntei eu .
-Sim. Respondeu ele.
-Tocariam para mim uma serenata ? Acrescentei.
Sem consultar os músicos, o empresário e eu já estávamos acertando os detalhes da serenata para aquela hora e no convento das freiras. A condução, ele forneceria. Tudo combinado, já tarde, partimos para o objetivo; quase madrugada.
Numa bela e moderna caminhonete, dirigida pelo proprietário, embarcamos com os instrumentos. Os músicos atrás e eu na frente com o motorista.
Despreocupado, aquele desconhecido parecia estar se realizando. Sentia-se feliz. Eu, já quase seu amigo , embora parecendo desconfiar um do outro. Numa freada, brusca, estacionou o veículo inesperadamente. Você topa uma voz feminina ? Como ? Perguntei perplexo ante o não previsto.
- Vamos pegar uma mulher na zona. Ela canta bem. É minha amiga. É na zona do meretrício do Paraguai. Não respondi. Como que consentindo, o meu silêncio dizia tudo.
Movimentou o carro em direção à ponte do Rio Apa. Entrando no Paraguai, logo após, estacionou junto a uma casa barulhenta e exoticamente iluminada. Era a zona do meretrício da Bela Vista do Paraguai. Convidou-me a entrar. Batendo nas costas de alguns frequentadores e beijando algumas mulheres, dirigiu-se a uma mesa. Conversou com uma mulher, e ela, sorrindo, mostrou-se assentir. Bem vestida, moça e bonita. Na saída, apresentou-me a convidada. Chama-se Mabel. Sorriu para mim, fazendo-me seu amigo, seríamos, então, eventuais colegas de serenata.
No caminho, combinamos os detalhes. Mabel e eu faríamos o solo. Os paraguaios fariam o estribilho, na língua deles, o guarani. As músicas seriam "Meu primeiro amor" e "Chalana" e a despedida ao som da harpa e do violão.
Desembarcamos meio distante e fomos caminhando ao som dos instrumentos. A música fez despertarem as freiras, e algumas, visitantes, na casa religiosa. Acenderam-se as luzes e abriram-se as janelas. A vizinhança também aderiu. Levada pela emoção, por algo nunca visto por aquelas plagas. Uma madrugada fria de julho. Freiras de outras regiões, que estavam naquela casa, aguardando o momento solene da cerimônia comemorativa na vida de uma colega de hábito, fizeram coro à nossa serenata. Talvez algum notívago tenha sido levado a se unir à imensidão de vozes que se misturavam à pureza do cantar da Mabel. Na amplidão daquele céu matogrossense, harpejos delicados se arvoraram a dar início às comemorações tão significativas na vida de uma religiosa.
Sem previsão, sem programação, um desconhecido empresário, três músicos paraguaios, se juntaram a mim e a uma mulher de nome artístico, face à profissão, seguidos por tantos outros, num meigo, terno e suave momento, mais religioso que profano.
As vozes se calaram. Apagaram-se as luzes. Era a madrugada do dia 06 de julho de 1991.
Em passo musicalmente lânguido e cadenciado, eu ia me afastando. Olhei para Mabel. Ela me olhou e sorriu. Beijei-lhe o rosto. Sem uma palavra, dei as costas ao grupo, continuando a caminhar silenciosamente, sem destino...
Não queria que eles percebessem. Eu estava chorando.....
ORLANDO GERALDO MENEZES
PS - Por informação de irmã Expedita, que ainda vive naquela região, Mabel se regenerou, hoje vive em Bela Vista brasileira, tem esposo e filhos e é amiga das irmãs vicentinas.

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