PADRE RAFAEL VIEIRA CSsR
A vida humana está, perigosamente, perdendo o seu valor. O barulho feito em torno da resposta dada pelo Supremo Tribunal Federal de que o artigo 5º. da Lei de Biossegurança tem constitucionalidade garantida tornou-se prova incontestável dessa realidade. Coube à imprensa, em geral, desempenhar a pior parte desse processo. Nos jornais se leu tanta barbaridade a respeito da existência da vida que foi possível encontrar expressões de apressados e ignorantes que afirmavam até que não existia vida nos embriões. Se não existe vida nos embriões para que raios de uso eles podem servir? Se a pesquisa pode ser realizada com células mortas não seria necessária tanta confusão. Qualquer cadáver poderia ser um deposito abundante. Isso sem falar que as manchetes dos jornais mais influentes eram todas explicitamente de panfletagem em favor do esclarecimento que confirmasse a possibilidade do uso de embriões para pesquisas. Pelo caminho, no entanto, ficaram três questões que precisariam ser resgatadas em algum outro momento menos quente do debate: o papel da sociedade durante as discussões de projetos de lei nos plenários do poder legislativo, a laicidade do Estado e a revisão médica sobre o conceito de embriões.
Nos últimos anos, as leis são aprovadas no Brasil debaixo dos tapetes grossos dos escândalos políticos e as forças organizadas da sociedade não conseguem intervir no processo, nem conseguir que certas questões delicadas recebam tratamento mais adequado. Quem poderia ser capaz de lembrar que tipo de lei o Senado da república estudou e aprovou durante os meses que foram literalmente tomados pelos processos que levaram à renúncia do presidente da Casa, envolvido em histórias estranhas, com acusações sérias de que havia relações de promiscuidade entre sua vida particular de adúltero e a curiosa intermediação de um lobista da Mendes Junior? Será que um cidadão comum e medianamente informado poderia listar os projetos de lei que foram apresentados para a apreciação da Câmara durante o tempo em que se falava todo dia das supostas mesadas que membros de partidos aliados do governo federal recebiam para votar favoravelmente nas matérias de interesse do presidente da república? Essas são tarefas muito difíceis porque revelam um modo bem brasileiro de fazer leis, aprová-las e sancioná-las sem o devido cuidado.
Se o então procurador-geral Cláudio Fonteles não tivesse colocado em questão o fato de que a inviolabilidade da vida que a Constituição garante estaria em jogo naquele artigo da Lei de Biossegurança, possivelmente ninguém se lembraria que estavam sendo feitas pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil. Quando todo mundo acordou para o que o Congresso já havia feito e o presidente sancionado, a conversa foi totalmente desfocada: a defesa da vida passou a ser compreendida como um posicionamento obscurantista católico. Cientistas que vêem sinais positivos na infinidade de mutações das células-tronco, que poderiam ser retiradas dos embriões, levantaram hipóteses de que várias doenças poderiam ser curadas com os avanços dos estudos. Não há cabimento algum imaginar que a Igreja não tenha compromisso e nem interesse nas pesquisas que possam conduzir à cura de pessoas com doenças neuromusculares. Não há. O Estado é laico e não precisa dar ouvidos aos religiosos, mas o que a Igreja repete, à exaustão, está na convicção de que nenhum procedimento científico, por mais promissor que seja, tenha a autorização de eliminar a vida humana.
Volta-se, ao polêmico debate sobre o conceito do que seria vida humana. Colunistas de renome pontificaram que um “agregado de células” não pode ser considerado uma vida humana. Esse tipo de posição ganhou simpatia da maior parte das pessoas que aplaudiram o discernimento do STF como uma espécie de “vitória da ciência”. A eles e aos empenhados cientistas, sobrou uma revisão médica de enorme significado. Será necessário reformular o que se entende por embrião. Os manuais de medicina costumam definir o embrião como o ser humano em suas primeiras semanas de desenvolvimento. Note-se que essa história coincide com a posição da Igreja. Se numa nova formulação, o embrião deixar de ser considerado o ser humano em suas primeiras horas de existência e se o fato legal de que um casal em comum acordo com um fertilizador em tubos de ensaio decidiram que esse “agregado de células” não terá viabilidade e que, portanto, não será implantado em um útero e esse fato justificar moralmente a destruição dos embriões para viabilizar pesquisas ou para serem jogadas na lata de lixo, a humanidade chegou ao seu termo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar. Sua participação é muito importante para nós. Deixe seu e-mail para podermos lhe contatar.