
PADRE RAFAEL VIEIRA CSsR
Nunca havia me obrigado a pensar em balões como nos últimos dias. Sempre me pareceu tão dispensável. Aquelas coisas coloridas que são usadas para festas infantis causam em mim uma espécie de medo primitivo. Fico achando, o tempo todo, que aquilo vai estourar. No último ano do século passado, cheguei a juntar um feixe de reflexões sobre a fragilidade e a urgência da vida num volume que intitulei “Antes que o balão estoure” (Editora Santuário). Nesse trabalho, tomei como ponto de partida uma experiência demonstrada no cinema. O Luis Fernando Veríssimo descreve a cena de um filme na qual o personagem do Marcello Mastroianni enchia balões até que arrebentassem. Ele queria descobrir o ponto exato que antecedia a ruptura do balão e é claro que só descobria até onde podia soprar depois que o balão estourava no seu rosto. A lição é óbvia: você só sabe até onde pode ir quando já foi. Um padre quis divulgar a pastoral das estradas, em Santa Catarina, arrumou um monte balões, prendeu-se a eles e sumiu. Parece que os balões estouraram.
Encontro uma grande provocação nessa história simbolicamente trágica. Uma provocação que, aliás, tem me incomodado em várias situações que a comunidade de fé experimenta lançar mão de estratégias de marketing para dar visibilidade a trabalhos de evangelização. Há uma insistência em adaptar-se às jogadas arriscadas. O risco reside quase sempre em manchar o conteúdo ético das iniciativas pastorais. Toda propaganda carrega em si um enorme potencial de engodo. A necessidade de fazer publicidade já é uma confissão cristalina de que o próprio trabalho apostólico não tem grande poder de convencimento. Ao transformar um serviço em objeto a ser mostrado para atrair atenção e investimento, a comunidade joga pérolas aos porcos. Há quem entenda perfeitamente e aplauda, mas é preciso considerar que uma parcela considerável do público vai tentar conferir mais a publicidade do que o produto. Esta semana, não li uma linha sobre a pastoral das estradas, mas encontro manchetes que tratam apenas de um padre que está desaparecido depois de uma empreitada maluca.
Não se pode esquecer de algumas realidades cruas do universo público quando se quer fazer propaganda e, claro, de que qualquer investida que envolve risco de vida sempre requer a tomada de muitas medidas de segurança. O público é sempre movido pela emoção. As pessoas, em geral, sentem certo fascínio pelo risco e aí, quanto mais perigoso é uma ação realizada em público, mais forte é a sua aprovação ou desaprovação. As palmas e as vaias são irmãs gêmeas. Para o público, basta um lance e a “opinião” muda da água para o vinho. Se houve quem achasse que a aventura do padre preso aos balões poderia se tornar um evento extraordinário, certamente, agora que a história começa a ter contornos dramáticos, não se encontra mais ninguém que realmente tenha aprovado a idéia.
Uma perversa ironia dos fatos. A Igreja se mobilizou durante todo o tempo da Quaresma para apresentar suas razões, motivações e esperanças na defesa da vida. Os debates pipocaram em todo canto para que fosse dada a ênfase necessária à sacralidade da vida da concepção até a morte natural. A radicalidade da posição eclesial leva golpes pelo detalhamento dos preparativos e da insistência incompreensível de se voar sem mecanismos eficazes de controle dos balões, sem monitoramento em terra, sem condições climáticas adequadas. A lista se alonga ao ponto de chegar a um sentimento de que, nesta hora, o melhor mesmo é rezar pela vida do padre, pela comunidade de leigos que deu suporte para essa sua iniciativa e por todas as ocasiões em que as pessoas que têm fé são expostas à tentação da propaganda. O balão estoura, um dia. E só se saberá quando será esse dia depois que o balão já estiver arrebentado.
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