
PADRE RAFAEL VIEIRA CSsR
Eis o resumo de apenas um dia de notícias do cotidiano num jornal importante do país: uma mulher de 21 anos deu à luz uma criança dentro do banheiro de um hospital e jogou o bebê em uma lata de lixo em frente ao Pronto-Socorro. Em um bar, outra criança - uma menina de 45 dias - foi abandonada. Um garoto de 3 anos foi resgatado por bombeiros de um apartamento em chamas enquanto a mãe da criança estava numa festa. Uma menina de quatro dias de vida foi encontrada dentro de uma bolsa em um templo evangélico. Uma outra criança de, no máximo três anos de idade, foi encontrada às margens de uma rodovia importante. Isso sem esquecer da criança de 12 anos encontrada quase crucificada antes da semana santa num apartamento de classe média e da tragédia que assolou o país com o fato de que uma criança ser asfixiada e, em seguida, jogada pela janela de um apartamento do sexto andar de um prédio.
Adultos perdidos, inseguros, tristes despejam sobre a vida das crianças suas mais terríveis frustrações e deixam nelas marcas eternas do desamor, quando nas matam de uma vez. Desde a mais remota aparição da família sobre a terra, os papéis de pais protetores são confirmados pelas civilizações. Não se pode, sequer, considerar que o fenômeno que mudou o mundo nos últimos dois séculos – o capitalismo – tenha modificado essa noção elementar. As crianças sempre precisam de proteção por causa de sua essência animal, muito antes de se considerar o aspecto afetivo e espiritual. Numa galinha instintos que garantem a proteção da ninhada. Ninguém se atreva tocar num cachorrinho nas proximidades de sua mãe. Até mesmo os passarinhos escolhem lugares curiosos e arrumam artifícios que parecem inteligentes para disfarçar e proteger seus filhotes. Oferecer segurança para filhos pequenos é tarefa rigorosamente executada das formigas aos hipopótamos.
Os humanos são diferentes. Em quase tudo. Até mesmo no modo particularmente dedicado e fiel de proteger os filhos que é tão evidente entre os outros animais. Esses episódios recentes de abandono e de violência contra crianças têm reapresentado um dado particularmente escandaloso. Pais destroçados e incapacitados para o cuidado ganham o centro da cena. Quando são presos e submetidos a um interrogatório mostram o descalabro que transformaram suas próprias vidas. Uma pobre adolescente que não sabe como criar um filho ou um casal de classe média que se entope de futilidades. Sem acepção de situação econômica, a realidade que salta os olhos é que as crianças violentadas e assassinadas nasceram de gente sem norte, desprovida do sentido da sacralidade da vida dos pequeninos. Aparecem nas manchetes como pessoas estranhas, bizarras, com semblantes fechados, óculos escuros, modo meio arrogante de andar parecendo querer impor suas atitudes.
E a grande Mídia também é tão desalmada quanto esses pais sem rumo. A foto e a imagem dessas crianças estão expostas, todos os dias, nas telas, nos jornais e revistas. Suas faces, símbolos de pureza e inocência, contrastam com as narrações dramáticas da violência que sofreram. E, num certo momento, pelo número de casos que se multiplicam nos noticiários, passa-se a impressão de que está sendo feito uma espécie de mutirão para levantar as situações mais complicadas. Não está no horizonte de preocupação dos veículos de comunicação o número de pais, a maioria, que cuida de seus filhos com zelo, perseverança, coragem e muito carinho. A evidência dos escândalos esconde ou, ao menos minimiza, a força extraordinária e a beleza de pais e mães que cuidam de seus filhos como uma verdadeira devoção que se renova todo dia. Esse testemunho maior – muito mais abrangente – poderia salvar o coração e a mente até mesmo das pessoas que se encontram em situações isoladas de prática do abandono cruel, do descaso criminoso e de assassinatos que bradam aos céus.
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