PADRE FLÁVIO CAVALCA DE CASTRO CSsR
A ladeira de Aparecida era uma festa de cores, ou melhor, um rio de cores que descia em direção ao Vale. Os tapetes, criados durante a noite pelos jovens, cobriam o sem-graça do asfalto. Céu azul, lá no horizonte a Mantiqueira com ligeiro véu de nuvens, como se fosse participar da procissão como antigamente. Festa de Corpus Christi. Não sei bem por quê, mas é uma festa diferente. No meu tempo de menino, sei que o que me chamava a atenção era a procissão ser feita de manhã. Diferente de todas as outras, que acabam sempre na melancolia do entardecer. Aquelas procissões de minha infância não. Terminavam com o esplendor do sol e o céu azul de nuvens brancas. O tapete que cobria as ruas tinha o perfume das folhas pisadas, folhas de mangueira, laranjeira, alecrim, de rosas, e as margaridas que, se feridas, não recendiam, mas punham no verde tons de amarelo e branco.
Talvez o diferente da festa esteja em ela ser, digamos assim, a festa da vitória sobre a saudade. Lendo os evangelhos, principalmente o de João, percebemos um tom de melancolia naquela tarde de quinta-feira antes crucifixão e da morte. Jesus sabe que está para deixar os seus, e a saudade já toma conta de seu coração. Vai deixar os seus; ainda que prometa continuar sempre com eles, essa presença será diferente e não basta como resposta para a saudade que gostaria de alguma coisa diferente, alguma coisa mais humana, mais próxima, mais calorosa. Certo que a eucaristia e a presença real do Senhor sob as espécies do pão e do vinho têm sentidos mais altos, mais profundos e mais teológicos. Não podemos, porém, não ver esse dado muito humano de quem, mesmo sendo o Filho, ama de jeito humano e, mesmo tendo de partir, não quer tomar distâncias, e de algum modo, nem que seja preciso descobrir um jeito novo, quer continuar perto.
Foi muito boa a inspiração da Igreja medieval, acho que entendeu muito bem a proposta de Jesus quando resolveu fazer uma festa especial para essa vitória sobre a saudade. Acreditou que Jesus queria estar presente e perto dos seus. E por isso saiu com a eucaristia pelas ruas da cidade, num alegre passeio, com muito som, muitas cores, incensos e sinos, janelas e portais enfeitados. Para que ele, não apenas com seu olhar divino de onisciente, mas de um jeito mais humano sentisse o cheiro das ruas, o colorido das casas, pudesse pelas janelas abertas espreitar o que ia pelos lares. Não visse apenas o esplendor das catedrais, mas também as arcadas do mercado, as lojas e oficinas da cidade dos homens.
Não creio que seja possível participar de uma procissão de Corpus Christi e não perceber que, de fato, o Senhor quis ficar entre nós. Sem necessidade de outros motivos: simplesmente para ficar perto.
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