PADRE RAFAEL VIEIRA CSsR
Yarko, Daniel e Faraj parecem ser três adolescentes incomuns. Os dois primeiros são gêmeos e vivem em Jerusalém. Judeus modernos, jogam vôlei e têm um avô polonês que não consegue esconder a revolta que sente por causa do Holocausto. O último é palestino, mora no campo de refugiados de Deheishe e chora de raiva dos judeus que mataram um amigo seu na Intifada do ano 2000. Esses meninos estão no grupo de crianças e adolescentes com idade de 8 a 13 anos acompanhado em seu cotidiano e que forma um painel interessante sobre as razões e a paixão que alimentam os conflitos e a convivência na capital afetiva de Israel num documentário chamado “Promessas de Um Mundo Novo”, dos diretores Justine Arlin, Carlos Bolado e B.Z. Goldberg, lançado há cinco anos, exibido várias vezes, no mês passado, num dos canais a cabo da Globosat. O filme já foi indicado para o Oscar, ganhou prêmios no mundo inteiro, é muito conhecido por quem gosta dessa modalidade de cinema e está disponível em locadoras especializadas. A versão exibida no GNT traz uma atualização com novas entrevistas com quatro desses meninos, quatro anos depois da finalização do documentário. O conjunto dos depoimentos é comovente. O ódio recíproco entre judeus e palestinos escorre das conversas. Esses três garotos, no entanto, roubam a cena e, no meu entendimento, saem do discurso conhecido sobre as lutas no Oriente Médio.
Os judeuzinhos têm medo dos judeus ortodoxos quando visitam o Muro das Lamentações, são articulados, misturam timidez com curiosidade, conversam com desenvoltura sobre os palestinos e parecem ser corajosos. Eles não entendem porque devem perpetuar a luta insana que divide as pessoas na cidade onde estudam e se divertem nas disputas esportivas. Passam a impressão de que são bem criados e, pelo teor de suas respostas, parecem ter liberdade para discutir religião e política e não dramatizam essas questões. Falam mansos, meio desconfiados e, volta e meia, abrem largos sorrisos quando o assunto vai tomando uma direção engraçada. Eles aceitam a sugestão do entrevistador de ir, pela primeira vez na vida e sem seguranças, encontrar Faraj no campo de refugiados. Assumem a decisão diante dos pais preocupados e se misturam com a turma de crianças palestinas com imensa facilidade quando se encontram com elas para conversar. Conversam demonstrando interesse sincero, brincam e prestam muita atenção quando os palestinos choram por causa da ação dos judeus. Nas informações que são dadas sobre o prosseguimento da vida deles depois das entrevistas nota-se que eles mantiveram certo contato e depois não aprofundaram os laços. Essa atitude os retira da fileira dos heróis. E tornam-se soldados israelenses. Um deles disse que, se for necessário matar um palestino para a segurança do seu país, ele o fará.
Faraj é um tipo único. Falante, dono de frases eloqüentes. Descreve os fatos ocorridos em sua comunidade oprimida, participa de manifestações, manifesta grande intimidade com a câmera e abre escancaradamente o coração. Fala do desejo profundo, compartilhado com a avó, de retomar a terra que foi roubada por Israel. Debulha sua ira, faz planos de vingança, denuncia e, no momento em que é indagado se tem disposição para encontrar-se com os gêmeos judeus, lança-se imediatamente na aventura. Fala inglês, tenta ser simpático, acolhe os irmãos que chegam de Jerusalém, ensina-os a manipular o estilingue que os meninos palestinos usam contra judeus e chora copiosamente ao narrar o episódio que os soldados mataram um grande amigo. Ele parece gostar de Daniel e Yarko. Ri de suas respostas. Brinca com eles. Sente ao ver que os novos amigos vão embora. O narrador afirma que ele tenta conhecer o lugar onde os gêmeos moram, mas é impedido pela força de segurança. Na entrevista de quatro anos mais tarde, Faraj é, praticamente, outra pessoa. Cresceu, vive nos Estados Unidos, tem uma família norte-americana, toca violão e fala de sua terra e dos sofrimentos de seu povo de forma absolutamente nova. É ponderado. Acho que é necessário encontrar um consenso e, claro, faz um estrondoso elogio à América.
Esses meninos representam nossas ambigüidades humanas em qualquer parte da terra. Eles não são comuns. Não são heróis. Sucumbem às circunstâncias. Dimensionam o que vivem e tentam avançar na compreensão das razões dos maiores conflitos que os cercam. Um dos gêmeos, já soldado, diz: “Eu quero a paz, mas não quero preocupar com isso todo dia!”. Faraj, em Deheishe, dizia: “A realidade não me deixa sonhar”. Mergulhado em outra realidade, já parece ter condições para isso e olha para os conflitos daquele lugar com a mesma perplexidade que o Ocidente sempre olhou. Os três, no entanto, amam o futebol e devotam sua torcida a um país chamado Brasil.
Pe. Rafael Vieira / 02.04.2007
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