PADRE RAFAEL VIEIRA CSsR
Os elementos para uma interessante resposta a essa pergunta colocada acima está na experiência real à mesa. Quem não percebe a diferença de saborear, degustar, sentir o prazer que vem pelo paladar e pelo olfato na hora de comer e o mecânico gesto de jogar garfadas na boa e engolir? A resposta para esta segunda pergunta, na verdade, é que cria uma série de problemas. A maioria de nós não está acostumada à experiência de comer bem. Consumimos alimentos. O frenético ritmo de nossos dias tem nos condenado a nos alimentar com o olho no relógio, em ambientes apertados, diante de mesas compostas por um profundo desequilíbrio nutritivo e uma perigosa presença de gorduras saturadas, carboidratos em excesso e uma escandalosa presença constante de líquidos. O resultado não tem sido outro que digestões problemáticas, o aparecimento de doenças gástricas, além do fato que tudo isso transforma a obesidade numa espécie de porta de entrada para doenças de vários tipos. Sem falar, que essa alimentação e suas conseqüências deixam as pessoas com a tendência de ficarem sempre insatisfeitas, irritadiças e se sentindo muito feias. No entendimento do modo de viver ocorre a mesma coisa. Os dias passam rapidamente e o modo de lidar com os nossos compromissos e nossas urgências é também comparável à uma refeição mal-feita e encobre um grande prejuízo: a vida que passa sem que a gente perceba.
Tive acesso, na semana passada, à resenha de um livro publicado nos Estados Unidos sobre o consumo de alimentos chamados de fast-food que são os ícones da moda já consolidada, nas grandes cidades, e representada por alimentos preparados rapidamente e consumidos da mesma forma. O livro tem o inspirador titulo de “The Gospel of food”, escrito pelo sociólogo norte-americano Barry Glasnner. O caderno “Equilíbrio” da Folha de São Paulo publicado na quinta, 1º de março, foi o começo da minha pesquisa. Descobri que Glasnner conversou com Chefs, ouviu químicos, nutricionistas e gente ligada ao mundo dos restaurantes bons e ruins. Em seguida, fez suas considerações sociológicas. Esse mesmo estudioso já publicou um livro sobre o medo que tomou conta da América depois do fatídico 11 de setembro de 2001. Uma de suas conclusões me interessa particularmente: “Tudo o que você acha que sabe sobre comida está errado”. Ele desmonta mitos de que um sanduíche seja um alimento nocivo e que uma travessa de alface seja representante de boa alimentação. E chega a conclusão que o mal pode estar mais no modo de comer do que na natureza dos alimentos.
Na maneira de conduzir a vida, a conclusão pode ser a mesma. Não são, necessariamente, as condições econômicas, sociais e culturais que garantem se vivemos bem, mas o modo como assimilamos essas condições, como traduzimos para nossa subjetividade essa realidade externa, ou ainda, para dar maior profundidade à metáfora, a qualidade da nossa digestão espiritual. Formamos uma unidade entre o que está de fora e de dentro de nós e um organismo assimila o outro. O alimento está de fora e entra para o nosso corpo para tornar-se parte dele. As experiências que acumulamos também tornam-se parte de nós. Numa reflexão de introdução à Quaresma, publicada na Revista de Liturgia desse início de ano, um articulista não recorre à Sagrada Escritura, mas ao Dalai Lama para apresentar essa realidade da seguinte forma: “A mensagem que ouvimos de todas as fontes espirituais é clara: Somos Todos Um Só”.
O Psicanalista Contardo Calligaris, que sempre ajuda o leitor de um grande jornal de São Paulo a refletir sobre questões do cotidiano, também recomenda: “O hábito, na modernidade, faz o monge, e somos livres para escolhê-lo. Mas essa liberdade tem um custo: o desconforto de apenas parecer o que somos e, claro, a aflição de parecer o que não somos ou não queremos ser”. A diferença entre a vida consumida e a vida vivida pode estar justamente nesse entroncamento do desejo. Quando atropelamos o tempo tomando-o apenas como uma agenda cheia de atividades que consideramos importante pode ser que o tributo que pagamos seja o da aparência do que não somos. Obesos espirituais são tais e quais os inimigos da balança. Não somos aquilo e não queremos continuar a dar aos outros uma imagem distorcida de nós. Daí a centralidade da questão sobre a qualidade do consumo de alimentos e de tempo na vida. Cada momento da existência tem lá sua composição formada por nutrientes preciosos para nossa saúde e, certamente, uma parte enorme que pode ir direto para a privada. É só passar pelo processo da digestão espiritual o que faz uma grande diferença na escolhas e na assimilação da vida.
Pe. Rafael Vieira, CSsR / 05.03.2007
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