Apresentamos a transcrição do 2º artigo de Rui Vasconcelos, CSsR sobre Santo Afonso.
“Toda a santidade e perfeição da alma consiste em amar a Jesus Cristo”: já vimos que a proposta espiritual de Afonso, a sua proposta de vida cristã, é uma resposta de amor e gratidão ao Amor revelado em Jesus Cristo.
Naturalmente que é impossível corresponder ao Amor de Deus: este será sempre Graça, plenitude, perfeição. Mas a resposta tem de acontecer. Para Afonso, diante de um Cristo que se entrega até à Cruz, só faz sentido entregar-se totalmente a Ele. “Ó meu Jesus, meu Senhor, meu Redentor, quanto não fizestes para me obrigar a amar-vos?! Quanto vos não custou o Amor que me tendes? Muito ingrato seria eu se me contentasse com amar-vos apenas friamente, depois de terdes dado por mim o sangue, a vida, tudo, e a vós mesmo. Se vós morrestes por mim, vosso pobre escravo, é bem de razão que morra por vós, meu Deus, e meu tudo” (Considerações sobre o Estado Religioso, n° 10).
O Homem está talhado para viver no Amor. É na comunhão que se torna imagem e semelhança de Deus que é Amor, e é no Amor que responde ao Amor Criador e Salvador de Deus. Afonso intuiu esta chamada universal à santidade: «É um grande erro o que afirmam alguns: Deus não quer todos santos. Não, diz S. Paulo: Esta é a vontade de Deus a vosso respeito, a vossa santificação (1Ts 4, 3). Deus quer-nos todos santos, cada um no seu estado: o religioso como religioso, o leigo como leigo, o sacerdote como sacerdote, o casado como casado, o negociante como negociante, o soldado como soldado, e assim a respeito de qualquer estado» (Prática de Amar a Jesus Cristo). É interessante confrontar com o que diz o Concilio Vaticano II: «Se todos, na Igreja, não caminham na mesma via, todavia são todos chamados à santidade e têm igualmente a bela sorte da Fé pela justiça de Deus» (Lumen Gentium n°32).
Todos, cada um no seu estado de vida e nas suas possibilidades (nos seus talentos, segundo a linguagem evangélica – cf. Mt 25, 14-30), devem corresponder a este Amor de Deus percorrendo um caminho de santidade. A proposta de Afonso é para todos, mesmo para os mais simples. No seu apostolado, seja com os comerciantes das Capelas do Entardecer, seja com os camponeses das missões populares, a todos chamará à conversão, a uma opção por Cristo e a um desejo de se fazer santo.
Para Afonso, esta resposta de Amor, este caminho de santidade, acontece pela uniformidade com a vontade de Deus. «Toda a nossa perfeição consiste em amar o nosso amabilíssimo Deus: A caridade é o vínculo da perfeição (Col 3, 14). Mas depois, toda a perfeição do amor a Deus consiste em unir a nossa vontade à sua santíssima vontade. Este é já o principal efeito do amor» (Uniformità alla Volontà di Dio).
Mais do que fazer coisas, obras, é esta a opção fundamental que o crente deve assumir, e que deve ser a base de todas as suas ações: «É certo que agradam a Deus as mortificações, as comunhões, as obras de caridade para com o próximo, mas quando? Quando são segundo a sua vontade. Mas quando não são a vontade de Deus, não somente Ele não as aprecia, mas abomina-as e as castiga» (Ibid). «Não quisestes sacrifícios nem oferendas, mas me formaste um corpo. Não te agradaram holocaustos nem sacrifícios expiatórios. Então eu disse: Aqui estou, eis que venho para cumprir, ò Deus, a tua vontade» (Heb 10, 5-7).
Afonso sabe que, ao caminhar neste encontro com o Pai e no discernir a sua vontade a nosso respeito, estamos a caminhar no que é melhor para nós: “E estejamos certos de que, quando queremos o que Deus quer, só queremos o nosso maior bem, porque seguramente Deus não quer senão o que é melhor para nós” (Prática). Sabemos que tudo concorre para o bem dos que amam a Deus, dos chamados segundo o seu desígnio (Rm 8, 28). Viver esta comunhão com Deus, que abraça toda a minha vida, significa aceitar que a responsabilidade pela minha própria vida e felicidade deixa de estar só nas minhas mãos, e passa a estar também nas mãos de Deus. Não estou sozinho! E isto é uma grande fonte de confiança...
Numa carta aos noviços da Congregação, Afonso apresenta aponta algumas pistas de discernimento. Uma é quanto à vontade de querer servir o Senhor e o seu Reino. O fim é bom, a questão é o como: “Quem for tentado com este pretexto de maior utilidade para o próximo, tenha presente que o maior bem que podemos fazer é o que Deus quer que façamos” (Conselhos aos Noviços, n°7). É o mistério de consagração, mistério de Fé, tal como o próprio Jesus: só o próprio Pai sabe o que é melhor para o seu Reino, e o Espírito Santo nos guia e potencializa os nossos talentos, tornando-os carismas ao serviço desse Reino. Muito bem, servo bom e fiel; foste confiável no pouco, eu te ponho à frente do importante (Mt 25, 21). Nem todo aquele que me disser: Senhor, Senhor! entrará no Reino de Deus, mas aquele que cumprir a vontade de meu Pai do Céu (Mt 7, 21).
Este caminho que Afonso propõe de resposta de Amor e comunhão pessoal com Deus, torna-se caminho de Fé. Partilho a minha vida no que mais profundo e decisivo possui – as minhas opções, projetos, decisões – com a vontade de Deus-Pai, sintonizando-me pela Palavra, construindo o seu Reino. Em linguagem bíblica, é construir uma casa sobre a Rocha: Assim, pois, quem escuta estas minhas palavras e as põe em prática parece-se com um homem prudente que construiu a casa sobre a rocha (Mt 7, 24).
Unido a esta comunhão de vontades no caminho espiritual está o processo de conversão. Esse processo reúne as consequências da minha opção fundamental por Cristo que, passo a passo, deve preencher toda a minha vida. Afonso é radical: “No caminho de Deus não avançar é retroceder” (Prática). A conversão é o processo de libertação pessoal de tudo o que me impede ou condiciona na minha entrega a Jesus Cristo. Não que o amor a Deus seja exclusivista: Quem ama a Deus ame também o próprio irmão (1Jo 4, 21). Trata-se de libertar-me de tudo o que me impede de amar mais e melhor, seja a Deus como os irmãos: critérios, atitudes, opções, hábitos, etc. “Feliz aquela alma que chega a tal estado em que se lhe torna insuportável qualquer coisa que não seja Deus” (Dell’Amore Divino, n° 11), ou, podemos incluir, que não seja de Deus ou para o seu Reino.
Fonte: Rui Vasconcelos, CSsR (Blog Economia da Salvação)
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