CONGONHAS
Regra de três
Quando fui para o Seminário, Juvenato, de Congonhas, alguns meses depois, tivemos uma aula de matemática - versava sobre regra de três. Para demonstrá-la na prática, fomos para a frente do Santuário do Senhor do Bom Jesus, para medirmos as alturas das palmeiras lá existentes – quando o Padre Professor nos disse que iríamos medir a altura das palmeiras, não acreditei. Medimos o comprimento da sombra de um metro. Medimos o comprimento da sombra da palmeira. Descobrimos então as duas medidas das sombras, mais o metro, e com essas três medidas montávamos uma regra de três: o resultado era a altura da palmeira. Achei interessantíssimo!
Nessa ocasião conheci as sessenta e quatro imagens dos Passos, em cedro, pintadas pelo Athayde, e os doze Profetas, em pedra sabão - todas as peças esculpidas pelo Aleijadinho. Vários colegas riscavam seus nomes nos pedestais das estátuas de pedra sabão – nunca o fiz, embora na época dava-se pouca importância para a arte barroca. Dois ou três anos depois, demoliram o antigo convento para construir o atual situado atrás do Santuário, conservando somente a admirável entrada esculpida em pedra sabão – hoje isso não aconteceria. Ainda bem que, logo a seguir, começaram os estudos pra valer das imensas e maravilhosas obras do Aleijadinho.
Infelizmente as estátuas de pedra sabão continuam no tempo e suas intempéries. Nos países adiantados, as obras de arte, que ficariam ao relento, são guardadas e colocadas réplicas em seu lugar de origem. Outro dia fui a Congonhas e vi os Profetas. Decepcionei-me, lembrando-me de quando admirei a obra prima do Aleijadinho pela primeira vez. Até o Profeta Daniel, a mais espetacular escultura do Aleijadinho, sofre as conseqüências da burrice congonhense, ou governamental, em não querer proteger obra tão importante, não só para nós brasileiros – é um patrimônio da humanidade.
Na década de 60 o MAM do Rio desejava levar as estátuas dos Passos para uma exposição. O povo de Congonhas se uniu e proibiu que as retirassem. Foram substituídas por obras do maior artista uruguaio e dos maiores das Américas. Com a responsabilidade característica de nossos dirigentes, o MAM pegou fogo e o povo uruguaio perdeu seu tesouro e a humanidade um de seus patrimônios – colocaram a culpa no Abreu...
Mais uma vez o povo de Congonhas se una para proteger o seu – o nosso! - patrimônio!... E que o Senhor Bom Jesus nos proteja de nossos dirigentes... e nos abençoe!
Tinteiro
No Seminário, quando entrei, eu menino, em mil novecentos e antigamente, usava-se caneta de tinteiro. Hoje em dia, além das canetas esferográficas, os meninos escrevem mais a lápis, ou usam a lapiseira.
Em cada carteira, individual, havia um tinteiro. Quando a tinta acabava, um colega enchia-o – normalmente ele executava essa tarefa antes de a gente chegar à sala de estudos. Nas salas de aula também havia tinteiro para cada aluno. A gente menino, ao escrever, apertava muito a pena estragando-a constantemente – era só pedir outra que o padre arrumava.
As canetas de luxo eram as Parkers: a prateada, a P21, e a de ouro, a P51. Acho até que havia a P71, a de ouro com diamante nas pontas – duas – da pena ou algum incrustado em seu corpo. Com uns doze anos, achei uma P21, pouco antes de ir para o Seminário –sucesso entre os colegas.
A cor normal da tinta era o azul, mas havia também as tintas coloridas, sendo o vermelho e o preto as cores mais comuns. Com o tipo de pena normal, de aço, nas aulas de caligrafia, eu consegui escrever letras tão pequenas, que até o Padre Marcos Gabiroba, que nunca me topou, admirou-se.
Esferográficas e meias de nylon
Em Congonhas, em meados de setembro, anualmente, o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos – dura uma semana, normalmente de 07 a 15.
Durante essa festa, montam-se barraquinhas nas principais ruas da cidade, principalmente a que leva ao Santuário. Vende-se de tudo. Bugigangas são as preferidas dos peregrinos - um verdadeiro paraguai.
Todos os anos os padres, no final do Jubileu, presenteavam-nos, os seminaristas, com um cruzeiro. Tínhamos algumas horas para percorrer as barraquinhas e comprar algo. Naquele ano o presente dobrou para dois cruzeiros. Éramos divididos em duas turmas para sairmos à rua. Eu, muito gripado, não me foi permitido sair. Ao chegar a primeira turma, os colegas traziam algumas novidades, como a caneta esferográfica e a meia de nylon – usávamos canetas tinteiro e meias de algodão.
Pedi a um colega para que comprasse para mim canetas esferográficas azul - a que comprou - vermelha e preta, para eu desenhar. A turma que me rodeava zombou de mim chamando-me de bobo:
- Cê num viu que dessas aí só inventaram canetas azuis?
- Se não achar, compre-me uma dessas meias novas que a gente lava e seca logo!
Só no ano seguinte consegui as canetas coloridas... e as meias de nylon idem!
Benedito Franco
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