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CONGONHAS - Puberdade
004 - Assombração
Pelos quinze anos, passava férias na Casa de Campo...
Casa de Campo, onde os internos passávamos as férias, quando estudávamos em um internato em Congonhas, MG - Juvenato São Clemente Maria, dos Padres Redentoristas.
Estudávamos de oito a nove horas por dia. Três semanas de férias em maio e em setembro. De meados de dezembro ao final de janeiro, também íamos para a Casa de Campo, aos pés da Serra de Ouro Branco - caminhávamos a pé, umas três léguas, distância calculada pelos colegas da roça. Não passávamos férias nas casas de nossos pais. Arrumávamos as trouxas - iam de caminhão - colocando as roupas necessárias para todas as férias – roupas diárias iam semanalmente.
Havia dois campos de futebol, dois de vôlei e duas piscinas. Instalações simples e a comida ótima e farta. Um salão que servia de refeitório e sala de recreio e uma capela onde assistíamos à missa diariamente. Nunca fui bom nadador, mas aproveitava, e muito, os outros esportes.
Passeios
Nessas ocasiões passeávamos subindo a Serra de Ouro Branco, acampando durante o dia. Lá em cima, além da maravilhosa paisagem e vista quase a perder de vista, chapadões, onde imperam – imperavam! - as canelas de ema, e um córrego, assim como uma linda e perigosa cachoeira na parte de trás.
Nos terrenos da Casa de Campo passava um ribeirão, cuja nascente é exatamente a do córrego de cima da serra. Esse córrego, um pouco antes da Casa de Campo, atravessava um sulco profundo cavado por ele entre as pedras de calcário existentes por lá - chamávamos-lhe de garganta ou funil; atravessá-lo era um pequeno desafio e um agradável e longo passeio. Tudo isso, atualmente, fica debaixo d'água da represa construída pela metalúrgica Açominas para captação de água industrial e potável.
Um dos passeios preferidos era nas grutas atrás da serra - interessantíssimas, grandes e lindas, com os maravilhosos salões coloniais, decorados com estalactites e estalagmites de diversos tamanhos e formas - não perdem em beleza e tamanho para a gruta de Maquiné ou Lapinha. As companhias, donas do local, fecharam os caminhos das grutas, com a anuência e tolerância da Prefeitura local - Ouro Branco ou Ouro Preto. Proíbe-se o povo de desfrutar as belezas de um bem público - como retiram calcário do local, é bem provável, se nenhuma providência for tomada, que aconteça o que tem acontecido com muitas delas nas nossas minas gerais: virarão pó, para agricultura ou para a siderurgia!
Dor de dente
Numa das férias, acometeu-me uma terrível dor de dentes. A bochecha inchou, inflamada. Tendo aparecido um carro, coisa rara naquele tempo, deixaram-me ir para seminário, em Congonhas, procurar um dentista - dentista prático, o que havia. Fiquei só, no imenso internato, pois seria atendido somente no dia seguinte.
O dormitório, no extremo esquerdo do segundo andar. Eu, naquele mundão. A luz elétrica, em dias alternados para cada lado da cidade. Nada de luz naquele dia, ou melhor, naquela noite.
Achei alguma vela e resolvi dormir na enfermaria, mais aconchegante - no extremo direito do primeiro andar.
Deitei-me. Difícil dormir com a dor, e quando enfim o sono chegava, percebi algum vidro de uma das janelas quebrando ou sendo quebrado. Pensei logo num ladrão. Mas ladrão para roubar o quê naquele lugar? Bons tempos, quando ladrão era coisa raríssima.
Quase todo o prédio era de piso de madeira e não de laje. Percebi passos ao longe. Poder-se-ia adivinhar mais ou menos onde. Talvez alguém no dormitório... Encontrava-me só, tinha certeza – dor, sono, cansaço, escuridão e solidão inventam coisas...
Nunca tive medo de nada, e, apesar da dor e das noites mal dormidas ou mesmo passadas em claro, dormi.
Pelas tantas da noite acordei assustado com barulho de passos no andar de cima. Estranhei, pois afinal pensava estar só no prédio.
Alguém vinha em direção ao lado direito do edifício - para o meu lado. Ouvi cada passo, descendo a escada. Parava... descia... e foi aproximando-se... aproximando-se... até chegar perto do corredor principal.
Com medo ou receio e a escuridão total, deu para ver, através da fresta da porta, alguma luz vindo - nessas horas, dois lumens viram dois mil! Cobri-me todo. Eu ofegante e a luz mais perto, os passos também. E a luz aumentava. Lentamente, caminhou todo o corredor principal. Entrou no pequeno corredor da enfermaria. Foi chegando... pelo caminhar, alguém avizinha-se da porta... pegou no trinco torcendo-o... devagarzinho... e eu meio suado - meio suado que nada, todo suado... e suor frio!
Abriu-se a porta. Dei uma olhadela e... o que vejo? - Uma assombração com seu lençol alvíssimo e um lampião a vela numa das mãos! Pude comprovar que lençol de assombração é realmente branco, branquíssimo, e meio transparente!
Enrolei-me todo no cobertor... encolhi-me o máximo. Fazia frio, e eu mais frio ainda, e ele aproximando-se da cama... Eu na posição fetal... Cutucou-me! Gelei-me. E murmurando:
- Sa-be on-de tem mais co-ber-tor?... (acho que com mais medo que eu!)
Demorei-me um pouco a entrar na realidade.
Que alívio! O Gentil, um colega, enrolado num lençol, por causa do frio. Tinha vindo depois de mim, chegou à noite, e, como não possuía chaves, quebrou uma vidraça, de uma das muitas janelas, e entrou.
Acabamos dormindo, os dois, na enfermaria.
Naquela noite, além de terrível, terminei dormindo com uma assombração!
E o lençol não era branco!... E nem lençol!... Era um cobertor xadrez!... E xadrez escuro!...
Medo faz coisas! Acreditem!
Benedito Franco
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