9º Domingo do Tempo Comum - Ano C - Homilia
NOËL QUESSON
Naquele tempo,
1 quando acabou de falar ao povo que o escutava, Jesus entrou em Cafarnaum.
2 Havia lá um oficial romano que tinha um empregado a quem estimava muito, e que estava doente, à beira da morte.
Três
evangelistas - Mateus, Lucas e João - apresentam este relato da cura de
um servo do centurião de Cafarnaum. Cada um dos três autores faz a sua
própria leitura de um mesmo fato, insistindo sobre este e aquele ponto a
fim de responder à comunidade de seu tempo a qual se endereçava. Nós
temos que interpretar esse episódio em relação à situação atual,
respeitando, obviamente, a verdade tradicional do fato. Nós, também,
ainda mais que na época de Jesus ou de Lucas, estamos num mundo onde
crentes e incrédulos se esbarram.
Cafarnaum,
povoado portuário a noroeste do lago de Tiberíades, era na verdade um
local fronteiriço, lugar de passagem de caravanas. Cafarnaum, base de
Simão Pedro, tinha sido escolhida por Jesus como centro de evangelização
(cf. Mt 4,13-17). Esta cidade possuía uma alfândega (Mc 2,13) e uma
pequena guarnição do exército de ocupação composta, sem dúvida, como
todos os exércitos romanos, de "mercenários" vindos de todo o Império:
gauleses, germânicos, citas, sírios etc. [...]
Com
satisfação, Lucas destacará o quanto Jesus possuía ideias grandes e
abertas... em contradição com a atitude corrente de seu tempo que
permanecia muito particularista. Em sua pregação em Nazaré, Jesus já
anunciara esta "abertura", destacando os milagres feitos por Elias e
Eliseu em favor da viúva de Sarepta e do sírio Naaman (Lc 4,24-38).
3 O oficial ouviu falar de Jesus e enviou alguns anciãos dos judeus, para pedirem que Jesus viesse salvar seu empregado.
A doença!
Ponto de
fraqueza do homem... Marca de sua condição humana... Situação dolorosa,
sobretudo quando se sabe que é incurável: o servo estava "à beira da
morte".Em todas as civilizações, a "saúde" é considerada como o bem mais
necessário. A doença, ao contrário, é o próprio símbolo da fragilidade.
Ora, é um fato que, o "lugar da fraqueza" é, também, um dos lugares
privilegiados do reencontro com Deus, bem como, um dos lugares
privilegiados da compaixão e da mútua fraternidade.
Esta página
do evangelho nos recorda que os crentes não tem, aqui, nenhuma vantagem.
O oficial pagão nos dá uma bela lição de bondade: ela ama seu servo e
deseja salvá-lo. Além disso, este homem é espantosamente respeitoso das
convicções dos outros. Ele toma cuidado de não comprometer Jesus, e
dirigi-se a ele por intermédio de duas delegações de "judeus". A Lei, de
fato, proibia formalmente, sob pena de impureza, de entrar na casa de
um pagão ou de fazer contato com ele. Será esta a crítica que se fará a
Pedro, alguns anos mais tarde (cf. At 11,3).
Faça-nos,
Senhor, não somente tolerar aqueles que não pensam como nós, mas
respeitá-los, e saber reconhecer todos os valores humanos que eles
trazem. Dê-nos, Senhor, a delicadeza deste centurião!
4 Chegando onde Jesus estava, pediram-lhe com insistência: “O oficial merece que lhe faças este favor,
5 porque ele estima o nosso povo. Ele até nos construiu uma sinagoga”.
Talvez o
centurião fosse daqueles pagãos que eram chamados de "tementes a Deus"
que, sem ser verdadeiramente judeus, eram simpatizantes do judaísmo.
Lucas somente sublinha que esse pagão "construiu a sinagoga".
Encontramos esse tema lucano do dinheiro: aquele que se desprende de seu
dinheiro, encontra-se mais pronto a encontrar o evangelho. Entre os não
crentes ou agnósticos que me cercam [...] eu lhes facilito a busca pelo
evangelho? Ou lhe dificulto e protelo?
6 Então Jesus pôs-se a caminho com eles. Porém, quando já estava perto da casa, o oficial mandou alguns amigos dizerem a Jesus:
Observamos
que Jesus não hesitou um segundo, segundo Lucas, e partiu com a
delegação dos Anciãos para a casa "impura" do pagão. Segundo o evangelho
de João, ao contrário, Jesus havia criticado o oficial (que fazia o
pedido em pessoa) de solicitar um sinal antes de crer (Jo 4,48).
“Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres em minha casa.
7 Nem mesmo me achei digno de ir pessoalmente ao teu encontro.
Parece que havia mais, nesta fala, que a dificuldade de relacionamento entre judeus e "goîm"
(nações pagãs). O oficial tem, diante de Jesus, o choque que todo homem
deve experimentar aproximando-se de Deus, este temor, que Pedro também
sente (cf. Lc 5,8). É notável, em todo caso, que a Igreja não tenha
encontrado fórmula melhor para colocar em nossos lábios no momento em
que, nós mesmos, nos aproximamos da eucaristia... "Senhor, eu não sou
digno...".
Mas ordena com a tua palavra, e o meu empregado ficará curado.
8
Eu também estou debaixo de autoridade, mas tenho soldados que obedecem
às minhas ordens. Se ordeno a um: ‘Vai!’, ele vai; e a outro: ‘Vem!’,
ele vem; e ao meu empregado: ‘Faze isto’!, ele o faz”.
"Diga somente uma palavra...".
A partir de
sua experiência de comandante militar, o oficial compreende a palavra
como uma palavra potente, capaz de operar aquilo que pronuncia. Ele
reconhece em Jesus uma palavra desse tipo, capaz de realizar tudo aquilo
que ela decide. [...]
Ao pedir a
Jesus de não se incomodar de se deslocar, esse pagão sublinha, ainda, o
poder excepcional de Jesus. Habitualmente, os curandeiros não conseguem
suas curas a não ser a custa de gestos corporais onde a presença física é
necessária. Jesus, pode fazer um milagre à distância, somente pela
palavra.
E nós,
evocando nossa experiência sacramental, pensamos que, para nós também,
Jesus está longe de nossos olhos, mas que ele é, entretanto, poderoso
pela sua Palavra. Cremos nesta Palavra-Sacramento que realiza nossa
salvação?
9 Ouvindo isso, Jesus ficou admirado.
Eu procuro
imaginar o rosto de Jesus, seu sorriso, por exemplo... ou o tom de sua
voz: um homem maravilhado, um homem contente, um homem que admira.
Os
evangelhos observam esta "admiração" de Jesus, somente, em duas
ocasiões. Nos dois casos, é diante de pagãos, pessoas que não fazem
parte do povo de Deus: uma cananeia, uma estrangeira do território de
Tiro e Sidônia (Mt 15,28)... e este oficial romano de Cafarnaum (Lc
7,9).
Para
Jesus, as barreiras e as fronteiras são abolidas: não há mais
estrangeiros. São Paulo traduzirá essa novidade numa fórmula de grande
força: "Não há mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, homem livre, mas Cristo: ele é tudo em todos" (Cl
3,11; Gl 3,28; 1Cor 12,13). Nosso mundo atual é aquele onde as
comunicações entre os países mais distantes tornaram-se, extremamente,
rápidas. Uma chance nova é dada à humanidade de se "encontrar" e de
"fraternizar-se". Mas não basta que as civilizações e as culturas
estejam, doravante, em contato umas com as outras, pois esses contatos
multiplicados não fazem que, frequentemente, exacerbar os nacionalismos,
os racismos de todas as formas. Ser discípulo de Jesus, é alargar seu
coração.
Tu, Senhor, tem ainda muito trabalho a realizar no mundo, e em nós...
Virou-se para a multidão que o seguia, e disse: “Eu vos declaro que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”.
10 Os mensageiros voltaram para a casa do oficial e encontraram o empregado em perfeita saúde.
Tem-se,
na verdade, a impressão que este relato foi escrito não para,
primeiramente, nos narrar um milagre (ele é de uma extrema discrição),
mas para destacar a fé deste estrangeiro. Jesus afirma que o oficial
pagão tinha mais fé que os judeus, fechados em suas certezas,
emaranhados em suas tradições, zelosos de respeitar as regras da Lei. O
pagão, paradoxalmente, era livre... pronto para acolher a novidade de
Jesus.
E
nós? Mantemos uma disponibilidade nova para o crescimento de nossa fé?
Estamos prontos para progredir? Não teríamos, também nós, bloqueios que
impediram muitos fiéis judeus de seguirem, de fato, Jesus?
Senhor, nós cremos..., mas aumentai a nossa fé!
Tradução do francês por Telmo José Amaral de Figueiredo.
Fonte: QUESSON, NOËL. Parole de Dieu pour chaque dimanche - Année C. Limoges: Droguet-Ardant, 1982, p. 188-192.
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